sábado, 27 de janeiro de 2018

PEQUENOS EXEMPLOS, GRANDES RESPONSABILIDADES.


“Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina” – Cora Coralina

Lembro muito bem, quando era mais jovem, de um autoquestionamento que fazia. E quando eu for pai?

Sabe aqueles planejamentos que fazemos – alguns deles muito loucos – quando visualizamos um futuro incerto, e nos enchemos de esperança para que tudo aquilo que traçamos se realize? Pois é, um dos planos que fazia na minha juventude, acreditem, era ser pai. Mas não poderia ser qualquer pai. Teria que ser o pai mais legal do universo. Aquele que seria visto desde super-herói até uma enciclopédia ambulante, de tantas respostas que precisaria ter para todos os tipos de perguntas.

A ideia era ser um pai que passasse bons exemplos através de grandes atitudes. Pensava alto, grande, precisaria gerar tal impacto que ficasse bem gravado e, dessa forma, o exemplo se perpetuasse na vida do meu filho ou filha.

O tempo passou e os filhos vieram. Não um, mas quatro. Talvez você esteja pensando: “Meu Deus!”, “Que coragem!”, “Quatro?”, ou ainda, todas essas expressões juntas. Eu sei, fique tranquilo. Já ouvi isso muitas vezes e até me acostumei.

Era a hora de pensar nas grandes atitudes, nos grandes exemplos. Ser aquele “melhor pai da galáxia”. Precisava estudar o melhor momento para que esses grandes exemplos fossem passados. Não poderia ser quando fossem bebês, pois não entenderiam. Também não poderia ser enquanto crianças pequenas. Talvez quando fossem jovens. Será? Qual o melhor momento? Novos questionamentos aparecem, quando você toma para si a responsabilidade de ser um grande pai.

Tive a alegria e o prazer de acompanhar o pré-natal e o parto de todos os meus filhos. Fiz fotos, respirei fundo e, por mais que duvidem, não desmaiei. No último parto, o médico de tão acostumado, dizia brincando: “mas por que me chamar? Esse pai já é experiente, já pode até fazer o parto”. Na hora da alegria da chegada do bebê, era fácil brincar assim. Eu, também brincando, respondi: “Nem precisa. Esse já deve nascer e sair andando sozinho”. Era a descontração necessária para um momento delicado e feliz.

Também tive a felicidade de levar meu filho mais velho para o seu primeiro dia de escola. Aquele em que a criança fica no colo da professora, aos berros e chorando, chamando pelo pai, enquanto, de coração partido, você vira as costas e vai embora. Depois do terceiro dia repetindo o mesmo enredo, a criança já nem chama, mas ao contrário, se despede com um sorriso, deixando você com aquela cara de tonto e um misto de espanto e alegria.

No decorrer do tempo, vi meus filhos chegarem em casa sujos, felizes, arranhados, tristes, suados, sorridentes, sérios e tantas outras expressões faciais e corporais. O tempo passa mais rápido do que eu poderia imaginar. Foram vitórias das boas notas nas provas, derrotas quando o resultado não era tão bom assim. Sujos e suados por aproveitarem ao máximo o tempo que lhes era propício.

Hoje meu filho mais velho tem 16 anos. Outro dia, estávamos tomando café da manhã juntos, quando ele fez um comentário que foi a inspiração para esse texto.

- Pai, quando eu era criança, o que eu mais admirava – e queria fazer igual quando eu crescesse – era a forma como você adoçava o café. Você girava o café tão rápido que ficava aquele buraquinho no café, bem no centro da xícara.

Meio atônito, olhei para o meu filho. Todo aquele filme do planejamento inicial, passou na minha cabeça numa fração de segundos.

E os grandes exemplos, aquele impacto, o momento certo de quando passar, onde foi parar tudo isso? O tempo havia passado e a vida me ensinou que são nos pequenos exemplos diários que se constrói um grande impacto. O ato de acompanhar o nascimento, trocar fraldas, dar banhos, incentivar a amamentação, fazer caretas, fazer dormir – e dormir junto, fazer massagem na barriguinha quando tiver cólicas, levar a escola, preparar e adoçar o café.

Tantos pequenos exemplos. Tantas pequenas atitudes que fazem a grande diferença. Todos esses pequenos gestos que, numa fração de segundos, me tornaram no super-herói que sempre quis ser.  

Minha gratidão, filhos! Cora Coralina tinha razão.


João Borges

Escritor – Joinville/SC

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

FILHOS BUSINESS


É impressionante a vastidão que encontramos nas mais diversas redes sociais. Desde as mais simples banalidades, até as coisas mais incríveis. Sorrisos e lágrimas se misturam aos mais variados sentimentos que brotam no universo de conteúdo jogado lá todos os dias, incessantemente.

Outro dia, navegando por uma dessas redes sociais, me deparei com um post que me deixou preocupado. Não havia imagem, vídeo ou qualquer outro detalhe visual que pudesse chamar a atenção. Apenas um pequeno texto que dizia, em outras palavras, que para seu filho possa lhe enxergar como líder, você precisa trata-lo como cliente. O que chamou ainda mais a atenção, foram os inúmeros comentários como: “excelente ponto de vista”, “perfeito”, e por aí vai.

Oi? Perdi alguma coisa na educação dos meus filhos? Será que a velocidade das mudanças está tão alta que isso passou diante de mim e não percebi?

Vejamos, tenho quatro filhos. Como pai, perco as contas de quantas vezes digo sim e não a eles, todos os dias. 
Dizer não a um cliente, dependendo das circunstâncias, é quase perder negócios ou, até mesmo, o cliente.  Dizer não a um filho, dependendo das circunstâncias, é garantir que não irá perde-lo.

Aos filhos, dá-se o que é necessário e preciso, nem sempre o que ele quer.

Ao cliente, dá-se o que ele quer, mesmo que não seja preciso e tão necessário naquele momento.

Exercer liderança nas corporações requer ser participativo com a equipe, proporcionar e participar de workshops, treinamentos buscando alto rendimento, reciclagem e estudos constantes entre tantos outros requisitos.

Exercer liderança com filhos requer presença, brincadeiras, rir junto e chorar abraçado; dar um passe para que o filho ou a filha faça o gol num parque, e sair comemorando como se fosse final de campeonato; ler histórias para que eles possam dormir, viajar com eles nas mais inebriantes fantasias; crescer com eles, enquanto você envelhece; saber dizer não, mesmo que isso cause alguma dor. E garanto, fazer isso, as vezes, dói mais em nós.

É. Não perdi nada na educação dos meus filhos, nem a velocidade das transformações contemporâneas atropelaram minhas convicções. Ainda consigo fazer distinções, diante de uma realidade tão plural.


Não sou um pai perfeito, mas uma coisa tenho certeza: não abençoo, dou beijo de boa noite e vejo clientes dormindo nos quartos da minha casa. Vejo futuro. Vejo meus filhos.


João Borges
Escritor - Joinville/SC

domingo, 14 de janeiro de 2018

CAFÉ QUENTE, CABEÇA FRIA.


Era um dia de muitas nuvens. A chuva, aos poucos, ficava menos intensa. Já era possível sair para caminhar, se as poucas gotas de água que insistiam em cair não fossem fator de incômodo – e de fato não eram, pelo menos para mim.

Era necessário ir ao mercado próximo da minha casa, pois a desatenção acabou não permitindo perceber a falta de filtro para café – e minha vontade de tomar esse precioso líquido, era grande.

O mercado não é distante. Necessário caminhar uns oitocentos metros, já considerando ida e volta. No caminho, um estabelecimento para limpeza de carros, uma loja de roupas, uma igreja, uma sorveteria, algumas casas e o destino final, o mercado. Tudo muito perto.

No caminho percebo que, aos poucos, as pessoas iam tomando as calçadas, porém ainda portando seus guarda-chuvas. Aquela chuvinha enganava. A famosa “chuvinha de molhar bobo”.

Chego ao mercado, vou direto até a prateleira, apanho o pacote de filtros, me dirijo ao caixa, pago e faço o caminho inverso. Minha vontade de tomar aquele café só aumentava, a medida que a distância até minha casa diminuía.

No caminho de volta o cenário não havia mudado muito. Sons de carros passando na rua, pessoas caminhando, o som da música que era ensaiada na igreja – imagino que o culto estava prestes a iniciar – calçada molhada e, claro, o café. Aquela vontade era insubstituível.

Poucos passos depois de iniciado o caminho de volta, uma cena um tanto quanto inusitada. Um casal, elegantemente vestido, andava no sentido contrário, na mesma calçada. Ele de terno num tom claro, gravata azul, chapéu panamá combinando com a cor do terno, segurava uma pasta executiva e o guarda-chuva. Ela estava de vestido longo, detalhes floridos, cabelos cuidadosamente amarrados e salto alto. Caminhavam vagarosamente em minha direção. Aquilo poderia ser comparado a uma cena dos célebres filmes de Hollywood dos anos 50 do século passado, não fosse por um detalhe: quem estava protegido da chuva era ele, não ela.

Certamente Don Lockwood ficaria envergonhado e cederia seu guarda-chuva àquela dama, mesmo porque esse artefato era apenas detalhe nas mãos de Gene Kelly na famosa cena de “Cantando na Chuva”.

- Senhor, essa senhora está na chuva! Disse eu, sorridente para tentar “quebrar o gelo”.

- É bom para esfriar a cabeça. Disse ele grosseiramente, inversamente proporcional a elegância do traje.

A ela coube apenas me retribuir a tentativa com um sorriso tímido, enquanto caminhava ao lado do distinto “cavalheiro”.
A mim, coube ficar refletindo sobre aquela cena, avaliando o quanto conseguimos ser vazios enquanto somos cheios de si.

É, Gene Kelly. Algumas pessoas precisariam voltar aos anos 50 e extrair de lá algumas coisas boas que eram vividas naquele tempo.

E o meu café? Saboreei assim que cheguei em casa, pois acabara de esfriar a cabeça na chuva, a exemplo daquela senhora, no caminho de volta.


João Borges
Escritor - Joinville


segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

AQUELE PRIMEIRO BEIJO QUE TE DEI


Quando queremos muito alguma coisa, é difícil não criar expectativa, mesmo que ela tenha o tamanho da unha do seu menor dedo do pé. E não é que isso seja ruim, pelo contrário. O que atrapalha são os excessos.

Uma expectativa boa gera cuidado com preparação, uma dose de ansiedade, sorrisos gratuitos, adrenalina, suor frio, aquela tremedeira imperceptível nas pernas e tantos outros sintomas. Olhando uma pessoa assim, é muito fácil perceber que está apaixonada.

Imagina só. Você está aguardando e, finalmente, terá a grande oportunidade. O primeiro beijo é um marco importante, apesar de muitos homens não darem o seu devido valor e os tempos atuais não darem tanta importância a isso.

É chegado o grande dia. O grande momento. Tudo preparado. De repente, ele ou ela aparece e você poderá dar seu primeiro beijo no seu filho ou sua filha, que acabou de nascer.

Poderá dar seu primeiro beijo no seu pet, que acabou de chegar.

Poderá receber o primeiro beijo da criança que acabou de aprender como estalar a boca, quando encostada no seu rosto.

Poderá dar seu primeiro beijo em alguém muito especial que, de tão longa viagem, demorou para chegar.

Ah, claro, também poderá dar o seu primeiro beijo no seu namorado ou namorada. Aquela pessoa especial que faz seu coração bater mais forte, cada vez que existe o encontro.

Não haverá outro primeiro beijo. Não haverá outro primeiro encontro. Então, valorize o momento. Aprenda a repetir a dose, quantas vezes forem necessárias. Viva intensamente cada uma delas, porém dê valor ao marco inicial.

A partir dali, serão alguns beijos roubados, mais sorrisos gratuitos, outros motivos de tremedeiras nas pernas, outras histórias, outros momentos, outros instantes.



João Borges
Escritor – Joinville/SC

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Errar é (DES)HUMANO


Estamos fadados ser máquinas, quando deveríamos ser humanos. Paradoxal?
É proibido errar quando se trata de vida.
É proibido errar quando o sim deve ser sim, e quando o não deve ser não.

Errar é (des)humano quando o tiro é dado, quando a bomba é lançada, quando a vida é dizimada.
Errar é (des)humano quando o EU é mais importante, quando o VOCÊ torna-se MAIS TARDE, quando a vida torna-se um QUEM SABE.

É (des)humano quando uma criança é abandonada, quando a natureza é maltratada e quando não vejo, sem ter que fechar meus olhos.
Errar é (des)humano quando transformo o riso em choro, a alegria em transtorno; o pleno, 
em pedaços.


Errar não pode SER HUMANO. Errar é (DES)HUMANO


João Borges
Escritor - Joinville/SC

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

MEU MELHOR AMIGO É O MEU AMOR



Se na medicina fosse possível fazer o diagnóstico do amor, seria necessário um bom exame de imagem para saber se lá dentro existe a amizade. Sim, ela mesma. A amizade. E a correlação entre os dois deveria ser quanto maior, melhor.

Na juventude, somos capazes de compartilhar nossos sonhos, defeitos, alegrias, imperfeições, vitórias e até os mais íntimos segredos com grandes amigos ou amigas, mas incapazes de fazer o mesmo com nossos pais. E se perguntados sobre o porquê disso, talvez tenhamos certa dificuldade em responder.

Na vida adulta, é possível que o mesmo venha a acontecer com aquela pessoa que você resolveu se relacionar. Por quê? Porque não aprendemos o suficiente sobre o MEU AMOR. Aquele que depositamos sobre nós mesmos. Fazer valer a letra da música que diz: “Meu melhor amigo é o MEU amor”. Esse mesmo. O meu. Aquele que dou a mim mesmo. O tão dito amor próprio. O mesmo que diz o quanto sou amigo de mim. Sem ele não há um “nós”. Quando aprendemos sobre isso, a vida acontece.

Se fosse dar um conselho, diria: tenha uma amizade sólida com aqueles que você insiste dizer que ama. Se tudo der errado no relacionamento, pelo menos haverá uma boa amizade a ser preservada.

Seja capaz de compartilhar tudo de você com aquela pessoa que você resolveu multiplicar sonhos e potencializar realizações. Se não for possível, meu amigo, algo deu errado e será necessário rever suas escolhas.

Amor não é degrau mais alto da amizade. É complemento dela. Bonito encontrar casais que são grandes amigos. Ao perguntar se são namorados, serão capazes de responder: também somos.

Amizade é valorizar cada instante. Aquele beijo roubado, aquela flor solitária numa despretensiosa quinta de manhã, aquele inesperado café na cama ou aquele carinho nos cabelos feitos durante uma troca de olhares.

Não há carro do ano, uma gorda conta bancária, cobertura de frente para o mar ou aquele iate ancorado que dirá o tamanho da amizade. Talvez até ajude, mas a ausência disso tudo – e mais um pouco – talvez diga muito mais.

E se no relatório do tal exame de imagem viesse a conclusão: amizade imperceptível, poderia diagnosticar: chame do que quiser, menos de amor.


João Borges
Escritor – Joinville/SC

PERDI A CONTA

  Eu já perdi a conta das vezes que tentei te descrever. Faltou vocabulário. Faltaram adjetivos. Sobraram qualidades em meio aos defeitos...