Era um dia de muitas nuvens. A
chuva, aos poucos, ficava menos intensa. Já era possível sair para caminhar, se
as poucas gotas de água que insistiam em cair não fossem fator de incômodo – e de
fato não eram, pelo menos para mim.
Era necessário ir ao mercado próximo
da minha casa, pois a desatenção acabou não permitindo perceber a falta de
filtro para café – e minha vontade de tomar esse precioso líquido, era grande.
O mercado não é distante. Necessário
caminhar uns oitocentos metros, já considerando ida e volta. No caminho, um
estabelecimento para limpeza de carros, uma loja de roupas, uma igreja, uma sorveteria,
algumas casas e o destino final, o mercado. Tudo muito perto.
No caminho percebo que, aos
poucos, as pessoas iam tomando as calçadas, porém ainda portando seus
guarda-chuvas. Aquela chuvinha enganava. A famosa “chuvinha de molhar bobo”.
Chego ao mercado, vou direto
até a prateleira, apanho o pacote de filtros, me dirijo ao caixa, pago e faço o
caminho inverso. Minha vontade de tomar aquele café só aumentava, a medida que
a distância até minha casa diminuía.
No caminho de volta o cenário
não havia mudado muito. Sons de carros passando na rua, pessoas caminhando, o
som da música que era ensaiada na igreja – imagino que o culto estava prestes a
iniciar – calçada molhada e, claro, o café. Aquela vontade era insubstituível.
Poucos passos depois de iniciado
o caminho de volta, uma cena um tanto quanto inusitada. Um casal, elegantemente
vestido, andava no sentido contrário, na mesma calçada. Ele de terno num tom
claro, gravata azul, chapéu panamá combinando com a cor do terno, segurava uma
pasta executiva e o guarda-chuva. Ela estava de vestido longo, detalhes
floridos, cabelos cuidadosamente amarrados e salto alto. Caminhavam
vagarosamente em minha direção. Aquilo poderia ser comparado a uma cena dos
célebres filmes de Hollywood dos anos 50 do século passado, não fosse por um detalhe:
quem estava protegido da chuva era ele, não ela.
Certamente Don Lockwood
ficaria envergonhado e cederia seu guarda-chuva àquela dama, mesmo porque esse
artefato era apenas detalhe nas mãos de Gene Kelly na famosa cena de “Cantando
na Chuva”.
- Senhor, essa senhora está na
chuva! Disse eu, sorridente para tentar “quebrar o gelo”.
- É bom para esfriar a cabeça.
Disse ele grosseiramente, inversamente proporcional a elegância do traje.
A ela coube apenas me
retribuir a tentativa com um sorriso tímido, enquanto caminhava ao lado do distinto
“cavalheiro”.
A mim, coube ficar refletindo
sobre aquela cena, avaliando o quanto conseguimos ser vazios enquanto somos
cheios de si.
É, Gene Kelly. Algumas pessoas
precisariam voltar aos anos 50 e extrair de lá algumas coisas boas que eram
vividas naquele tempo.
E o meu café? Saboreei assim
que cheguei em casa, pois acabara de esfriar a cabeça na chuva, a exemplo
daquela senhora, no caminho de volta.
João Borges
Escritor - Joinville
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