O
que poderia acontecer de inusitado numa viagem de volta pra casa, depois de um
dia incrível de trabalho? Você poderá ter diversas respostas na ponta da
língua, afinal imprevistos acontecem em qualquer viagem. Eu não esqueço aquele
fim de tarde de quinta-feira, que me presenteou com o melhor inusitado da vida.
Meu
trabalho exige que eu viaje com certa frequência. E isso é uma das coisas que gosto
na minha atividade. Dirigir me faz bem. Eu consigo ter ideias novas, sair da
mesmice, montar estratégias, ser criativo e prestar atenção na estrada.
Na
quarta-feira eu já estava me preparando. No dia seguinte eu teria uma reunião
importante numa cidade próxima. Fechar negócio era questão de honra e eu estava
muito motivado. Seria o resultado de quase seis meses de negociações e eu
estava muito perto do objetivo. Entre a minha cidade e o local da reunião
existem lugares que eu frequentemente vou para acampar ou fazer trilhas, ou
seja, era um caminho absolutamente conhecido.
Banho,
café da manhã gostoso, casa organizada, documentos na bolsa, computador, carregador
de bateria, celular carregado, apresentação finalizada, playlist para ouvir no
caminho, carro abastecido; sapato, calça jeans, cinto, camisa, blazer e meias separadas.
Check
list finalizado na quinta-feira de manhã. Hora de me vestir e botar o pé na
estrada. Meu dia estaria só começando.
A
viagem foi fantástica. O cenário que se via pelo caminho trazia muita paz. Os
olhos se perdiam pela beleza da natureza horizonte afora. Não é à toa que aquela
região era uma das preferidas para meus momentos de descompressão. O dia
ensolarado, o pouco movimento de carros e caminhões na estrada ajudavam no meu
processo criativo, enquanto dirigia. Num dos pontos da viagem, passei pela
entrada de uma estradinha de terra. Lembrei das vezes que a utilizei para
chegar aos melhores pontos de acampamento no meio da mata. Ao passar, tive uma
ideia. Se o negócio fosse fechado, minha comemoração seria naquele fim de
semana, montando acampamento e curtindo a natureza.
Passei
a manhã em reunião com a equipe técnica do cliente. No período da tarde, com a
diretoria deles. A apresentação foi melhor do que eu esperava e o resultado não
poderia ter sido outro: eu consegui. Saí da fábrica com uma sensação indescritível
de vitória.
Voltei
para o carro com sorriso largo. Precisava voltar pra casa sem deixar que a
euforia tomasse conta e acabasse tirando a atenção que precisava no trajeto da
volta.
A
viagem de retorno estava tranquila até chegar na entrada daquela estradinha. Ali
tinha um carro parado com porta malas aberto. Três senhoras idosas se colocaram
na beira da estrada para pedir ajuda. Diminuí a velocidade, passei por elas e
percebi que realmente era necessário parar. Voltei com cuidado e parei meu
carro próximo ao delas. Junto com as três senhoras havia outra mulher. Essa era
mais jovem e que se esforçava para resolver o suposto problema. Saí do carro e
perguntei de que forma eu poderia ajudá-las. “O pneu furou, meu filho”, disse
uma das senhoras. “Minha neta disse que trocaria, mas acho que ela está
encontrando dificuldades”, completou. Olhei pra Ela, que me devolveu o olhar acompanhado
de um sorriso. “Eu nunca troquei um pneu”, falou meio desconcertada. “Pode deixar
que eu troco”. Percebi o ar de alívio enquanto as senhoras trocavam alguns
sorrisos marotos como quem diz “quanta gentileza”.
Trocar
o pneu não foi difícil. Difícil foi tirar os olhos daquela bela mulher. Enquanto
trabalhava, Ela ficou ao meu lado, conversando. Disse que estava voltando de um
passeio com a avó e duas amigas dela. Havia levado as três para uma caminhada
perto do riacho, que corria ao longo da estradinha de terra. Enquanto ela
falava, eu ouvia atentamente cada palavra. Aquela voz era música. Meus olhos
intercalavam entre o trabalho e Ela. Como não notar aqueles longos cabelos castanhos
claros, quase loiros que, lisos, escorriam pelos ombros e tomavam boa parte das
costas? Como ficar indiferente àquele olhar sereno vindo de um par de olhos
castanhos escuros, que eram acompanhados de um sorriso que encantava? Como
seria possível desviar os olhos daquelas curvas, denunciadas pelo vestido longo
que colava ao corpo até a cintura e soltava a imaginação junto com o tecido que
a vestia da cintura para baixo? Impossível. Simplesmente impossível.
“Pronto,
pneu trocado”. Olhei para as mulheres e percebi o alívio. Todas agradeceram.
Ela me deu um beijo no rosto. A vitória daquele dia havia sido acompanhada por
uma “vitória coletiva”, quando estendi minha mão para ajudar, mesmo que de
forma simples. Retornei pra casa e Ela, as vezes, retornava às lembranças.
Na
sexta-feira foi o dia de trabalho e comemoração com a equipe. Combinamos um
happy hour no fim do expediente. Minha cabeça já pensava em organizar as coisas
para o acampamento. O barulho da comemoração da sexta seria substituído pelo
silêncio da natureza no sábado.
Cheguei relativamente cedo do happy hour. Ainda dava tempo de separar os equipamentos e mantimentos para um fim de semana na mata. Tomei um banho, preparei um lanche e fui à luta. Depois de tudo separado, colocado na mochila e levado ao carro, fui para o quarto. Na cama e de olhos fechados tentando dormir, Ela invadia minhas lembranças. Aquela voz ficou gravada de tal maneira que lembrando dela, aos poucos, consegui relaxar até finalmente dormir.
No
dia seguinte acordei cedo. Me sentia revigorado pelo bom sono que tive. Tomei um
banho, um café reforçado e saí em direção ao acampamento. A mesma estrada foi
minha companheira de viagem. Ao passar pela entrada daquela estradinha de
terra, não foi difícil lembrar do carro, das três senhoras e Ela. A memória
ainda era recente. Seria muito interessante poder encontrar aquela bela mulher
novamente.
Chegando
ao final da estradinha, estacionei o carro embaixo de uma grande árvore. Todo o
trajeto era margeado pelo riacho. O mesmo que Ela levou sua avó e as duas
amigas dela. Resolvi montar meu acampamento não muito distante do carro, porém
mais próximo ao riacho. O som das águas seria a principal trilha musical
daquele fim de semana. A trilha, a partir dali, já era bem conhecida por mim.
Daquele local, caminhando uns quinze minutos mata adentro era possível
encontrar um lago, que seria meu local de banho. Montei a barraca, separei os
mantimentos, preparei o terreno e saí em busca de gravetos, galhos e folhas que
me permitissem fazer a manter uma fogueira. Durante minha busca por material,
tentava concentrar a atenção nos sons da natureza. O canto dos pássaros, o som
das folhas balançando ao vento, as águas que corriam lentas pelo riacho, toda
essa orquestra era o início do espetáculo que minha mente esperava para fugir
do stress. Misturado a trilha sonora natural, foi possível uma voz feminina,
bem ao longe. No primeiro momento estranhei. Não era muito comum visitantes
naquele lugar. Levei o material recolhido até a barraca e retornei para tentar
encontrar a dona daquela voz. Parei no ponto onde ouvi a voz pela primeira vez
para tentar identificar a direção de onde vinha. Parecia vir do lago. Caminhei
um pouco mais até encontrar o lago e lá estava. Ela estava completamente nua,
misturada as águas cristalinas e frias. Nadava com movimentos lentos e em
perfeita harmonia com aquele lugar. A liberdade daquele momento era tanta, que
não era difícil confundir a cena com um voo. Era pura poesia que ali nadava.
Eu estava em transe. O mundo havia ficado para trás e eu estava em outra dimensão, quando fui interrompido: “Vem, a água está uma delícia”. Desde o início Ela sabia que eu estava ali, observando. Não se furtou da sua liberdade e ainda me convidou para fazer parte do mundo dela. Tirei minha roupa e entrei no lago. A água estava fria, mas muito boa. Perguntei como ela havia parado naquele lugar. Ela chegou perto de mim sem falar nada, passou seus braços pelo meu pescoço, abraçando-me, e me beijou. Aquele beijo foi um pedido de silêncio. Nada era importante ser dito naquele momento. Ficamos aproveitando o voo nas águas durante um bom tempo, sem falar nada. Apenas ouvindo a orquestra e voando. Dado momento, Ela saiu do lago. As curvas do seu corpo, antes denunciadas pelo vestido longo, agora estavam visíveis sem um tecido que pudesse encorajar qualquer forma de imaginação. Também saí, nos vestimos e caminhamos em direção a estradinha. No caminho, colhi uma flor de um vermelho intenso. Coloquei entre seus cabelos, apoiada na orelha. Disse que havia montado um acampamento e se lhe fosse possível, gostaria que ficasse. Ela aceitou. Conversamos longamente e percebemos algumas afinidades. Ela me explicou como tinha chegado ali. Disse que era um dos seus locais preferidos para caminhada pela mata, além de acampar. E essa era só uma das afinidades que encontramos.
-
Cadê seu carro? perguntei.
-
Minha vó me trouxe. Noite passada ela teve um sonho. Disse que se eu viesse pra
cá, te encontraria.
-
Algo mais nesse sonho que é necessário que eu saiba? perguntei.
-
Veremos. Disse sorrindo.
A noite chegou rápida. A luz da lua tentava
chegar completa ao chão, mas encontrava resistência das árvores que nos rodeavam.
A umidade da mata trouxe uma leve sensação de frio. Fizemos nosso jantar, contamos
boas e longas histórias. Entre as conversas triviais, olhares mais profundos. Aos
poucos, as conversas foram ficando menos triviais e mais quentes. Nos demos a
liberdade de jogar livres, sem restrições. Beijos e carícias foram surgindo. Toques
mais intensos nos levaram para dentro da barraca. Ali a noite aconteceu livre.
Despimos os corpos e as almas. A entrega foi excitante e completa. Descobrimos
as marcas deixadas pela vida, mas levadas pela história. Nossa liberdade nos
levou ao um novo voo, desta vez, pela descoberta de nós mesmos. Pele na pele.
Poros visivelmente reagentes a cada movimento que fazíamos. Tudo isso temperado
com o cheiro do mato e o sabor agradável da pele nua.
A
noite passou rápida. “Algo mais nesse sonho?”, perguntei. “Não. Sonho realizado”,
respondeu.
JOÃO
BORGES
Como sempre, uma grande capacidade de nos fazer viajar com seus enredos. Parabéns
ResponderExcluirSempre bom viajar juntos através das histórias, Gi! Agradeço seu comentário <3
ExcluirGente, imaginação foi lá No alto, que riqueza em detalhes. Adorei e verdade os sonhos , as vezes eles se realizam.ual..
ResponderExcluirSonhos se realizam sim, Ellen! Sonhos ultrapassam barreiras e transcendem nosso lugar comum. Agradeço seu comentário. Atá a próxima viagem ;)
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir👏🏻
ResponderExcluir😊🥰❤️
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