Outro dia resolvi fazer minha
caminhada de fim de tarde em um lugar diferente, que há muito tempo não
visitava. Fui até uma pequena cidade, muito aconchegante e vizinha da cidade
onde eu moro. A calma daquele lugar é o contrate perfeito em relação a
intensidade da sua vizinha maior. A praça central é dotada de muitas árvores e
trilhas pavimentadas, ótimas para caminhadas urbanas. Apesar do tamanho da
cidade, a praça central é relativamente ampla. No centro da praça existe um
coreto muito bem conservado que, só de olhar, faz a imaginação voltar no tempo,
tentando capturar a imagem das bandinhas tocando nas tardes ensolaradas de
domingo. Casais bem trajados caminhando lentamente enquanto conversavam. Famílias
que se encontravam na praça para assistir as apresentações. Ao redor do coreto,
vários bancos e muitos jardins. Cena típica de novelas épicas que nos traz um exercício
histórico, saudável para qualquer um.
Lembrei que naquela praça, oito
anos antes, encontrei Ela pela primeira vez. Estava sentada em um dos bancos ao
redor do coreto e conversando com um ex-colega meu, de faculdade. Naquela oportunidade,
ao me ver passando, Ethan veio ao meu encontro para me cumprimentar. Apresentou-me
sua esposa, Ela, e seus dois filhos. Tivemos uma conversa relativamente rápida,
mas muito cordial.
Caminhei aproximadamente duas
horas entre as trilhas da praça e as ruas da cidade. Para finalizar a caminhada,
resolvi subir um morro próximo, onde havia um ponto de observação da cidade.
Uma espécie de mirante que tinha uma estrutura de trilha com deck de madeira.
De lá era possível observar boa parte da cidade e o olhar se perdia pelo lindo
horizonte daquela região. Fui até lá para ver o pôr do sol. Várias pessoas
fizeram o mesmo. Sentei-me num dos bancos para descansar e aguardar o
espetáculo do astro-rei. Enquanto aguardava, uma doce e encantadora voz
feminina se fez ouvir por trás de mim. “Oi! Lembra de mim?”, disse. Virei para
trás e tal foi minha surpresa ao ver Ela. “Oi, claro que lembro”, respondi.
Percebi que Ela estava só, sem Ethan ou os filhos. “Me admira, depois de tanto
tempo você ainda lembrar. Posso sentar ao seu lado?”, perguntou. Acenei
positivamente e sentou-se.
Ela tem estatura baixa e estava
especialmente linda. Pele escura, cabelos pretos, lisos e longos. Olhar
penetrante acompanhado de um sorriso singular, expostos por lábios perfeitamente
esculpidos. Vestia roupa de academia, colada ao corpo, mostrando que não foram
as duas gestações, nem mesmo o tempo que a impediram de ter belas curvas do
início ao fim. Ela tinha me visto caminhando na praça e resolveu ir até o
mirante também.
Perguntei por Ethan e os
filhos. Disse havia se divorciado a apenas dois anos e os filhos estavam
passando o fim de semana com Ethan. Estava aproveitando para passear e ver o
por do sol daquele ponto. A conversa fluiu até o momento em que percebemos que foi
necessário o silêncio para apreciar aquele espetáculo. Aos poucos, o crepúsculo
chegava. A luz do dia era substituída pelo escuro da noite. As pessoas iam
embora e nós acabamos ficando um pouco mais.
Fiquei surpreso, pois a
conversa revelava vários pontos em comum. Hábitos de caminhada em cenários
diferentes, pôr do sol, praia, preferências musicais, enfim. Vagamos por vários
assuntos.
A lua já tomava conta do seu
lugar no céu e nós estávamos ali, sozinhos. Não contamos as horas, nem os temas
conversados. Apenas nos permitimos viver aquele momento. Num dos raros instantes
de silêncio, Ela apoiou sua cabeça em meu ombro e ficou olhando para as
estrelas. Entrei no silêncio dela e a envolvi num abraço. Com isso, Ela se
aconchegou ainda mais, procurando espaço no meu peito. Aquele silêncio foi quebrado
por um movimento. Ela estendeu sua mão, tocando o lado do meu rosto e fazendo com
que eu virasse meu olhar para o dela. Sem dizer nada, lançou seus lábios contra
os meus. Beijo doce e intenso. Impossível tentar explicar a sensação de saber
que aquele beijo seria meu, algum dia. As palavras davam lugar aos olhares. Os beijos
viajavam entre a docilidade e a lascividade. Nossas mãos passaram a percorrer
nossos corpos, numa volúpia indescritível. Tudo isso interrompido de forma
repentina pelo guarda que cuidava da vigilância daquele espaço. Momento tenso e
estranho. Acalmamos os ânimos enquanto éramos orientados a deixar o lugar, por
motivos de segurança.
Fui para o meu carro. Ela para
o dela. Como tínhamos que sair dali, combinamos de nos reencontrar na praça
central. E lá fomos. Aproveitamos aquela noite e o restante do fim de semana.
Ela e seus filhos não moram na mesma cidade que eu, porém não é muito distante. Trocamos
mensagens, nos encontramos e vivemos nossos momentos intensamente. As vezes eu
aqui e Ela lá. Outras, eu aqui, Ela e seus filhos também. Outras ainda, eu e Ela em algum
outro lugar. Ambos presos pela liberdade na qual vivemos. E assim vamos
cantando a vida, como num coreto na praça central.
João Borges
Nenhum comentário:
Postar um comentário