Aquela quinta-feira era
especial. Naquela noite era o lançamento do meu mais novo livro. Meses de
trabalho, semanas de preparação e analgésicos de perder a conta por causa das
frequentes dores de cabeça. O corre-corre era tão intenso, que os dias que
antecederam o evento pareciam pequenos. Faltavam horas.
Naquela quinta eu resolvi desacelerar.
Cumprir alguns poucos compromissos para pensar um pouco mais num ser que eu
estava deixando de lado: eu mesmo.
No final da manhã fui visitar
um amigo. Ele havia me convidado para uma entrevista numa rádio local para
conversar sobre o livro. Ao chegar na emissora, me apresentou todo o estúdio,
os colegas e a estrutura de trabalho. Numa das salas estava Ela. Veio ao meu encontro
com um sorriso irresistível e iluminado, mas tinha algo a mais. Diferente. Me
cumprimentou e deu um beijo no rosto. Confesso que aquele sorriso ficou gravado
na minha mente durante todo o tempo da visita.
Fui levado ao estúdio para a
entrevista. A sala era relativamente pequena. Uma janela de vidro permitia que
as pessoas acompanhassem a dinâmica da programação sem que os ruídos externos interferissem.
De dentro do estúdio pude perceber algumas pessoas vendo a entrevista através
da janela. Uma delas era Ela.
Após a entrevista, meu amigo
me levou até a recepção. Deixei convites para que a equipe pudesse comparecer
ao lançamento do livro, agradeci a oportunidade e despedi-me.
A grande noite havia chegado. Minha
ansiedade só não era maior que a vontade da gerente da editora querer me
estrangular. Eu deixei a equipe dela pilhada. Pedi cadeiras adicionais, mudei o
lugar do cerimonialista umas trinta vezes, pedi repetidas conferências na lista
de convidados, enfim. Virei o lugar do avesso com pouca necessidade e muita
ansiedade.
Aos poucos os convidados iam
chegando. Os lugares, sendo preenchidos. Ainda bem que pedi cadeiras
adicionais. Entre as pessoas que vieram estava Ela. O sorriso, marcante,
completava natural e perfeitamente aquele rosto bem construído por mãos divinas.
Mas aquele olhar... eu ainda precisava entender aquele olhar.
Durante a cerimônia meus olhos
percorriam a plateia, mas era impossível resistir ao magnetismo da presença
dela. Eram aproximadamente trezentas pessoas, mas Ela se destacava naquela
pequena multidão.
Ao final foram cumprimentos, fotos,
dedicatórias, bate papo, descontração e muita energia boa. Ela ficou até o
final. Trocamos telefone. A partir dali passamos a conversar todos os dias. Nos
encontrávamos com certa frequência. Nossas conversas fluíam naturalmente. Não encontrava
meios de conseguir resistir ao sorriso. Era de tirar do chão. Mas aquele
olhar...
Num desses encontros disparei:
“preciso entender: quantas lágrimas estão escondidas atrás desse olhar?”. Ela,
sem rodeios, devolveu o tiro: “...todas as que derramei sem que você pudesse
enxugar”.
Todas as dores, medos e
incertezas estavam ali, quase imperceptíveis. O sorriso iluminado que ofuscava e
guardava sentimentos que desejavam sair. Um olhar misterioso que escondia um
grito inaudível. Quantas lágrimas escorreram da alma, sem o mínimo de percepção
aos olhos? Quantos gritos foram dados sem que chegassem aos ouvidos da ajuda?
Ela, agora confiante, despia a
alma completamente. Enquanto ouvia, também entendia o encanto que Ela era capaz
de produzir.
Mas aquele olhar... não era
mais necessário entender ou buscar explicações. O mistério deu lugar à leveza.
Não pude enxugar todas as suas
lágrimas, mas somente até ali. Desde então vejo brilho, e não são de lágrimas.
João Borges
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