segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

AQUELE ABRAÇO



Que dia! Quem nunca usou essa expressão pra resumir os extremos opostos, tanto para uma conquista, um “sim” que muda a rota da vida ou simplesmente para mostrar o quão leve foi o dia, quanto para absorver uma decepção, uma situação que trouxe frustração ou ainda para amenizar a sincera vontade de ligar o “botão do foda-se”.

Tinha tudo para ser um dia especial. Saí de casa motivado, animado, com minha potência vital em alto nível. Ela ainda dormia. Antes de sair, beijei-a com o cuidado necessário para não acordar a fera. Ela é o tipo de mulher que tem o termômetro do humor alterado por necessidades biológicas simples como dormir e se alimentar bem. Aprendi, com o passar do tempo, que liberdade, alimentação saudável e descanso fazem bem a si e a uma relação que deseja ser duradoura.

Nem a chuva, que caía com vontade, abalou meu entusiasmo. Desci ao térreo cantarolando, cheguei na garagem e percebi um dos pneus do carro furado. Ainda bem que aconteceu em casa, num lugar onde posso fazer a troca sem me molhar com essa chuva, pensei. Troquei o pneu, guardei as ferramentas, subi até o apartamento, tomei mais um banho e troquei de roupa. Ela acordou com o barulho e percebeu meu atraso. Resolveu levantar e me acompanhar no banho. Aquele era o tipo de atraso que vale a pena o risco. 
Apesar de ser um convite quase irrecusável, mantive o foco. No banho, nossos corpos eram apenas detalhes, porém aquele abraço, que para ela significava aconchego e segurança, para mim era, na verdade, a minha recarga de energia favorita. Procurei sair rapidamente do banho. Troquei de roupa, beijei-a novamente, dessa vez com maior intensidade.

Desci novamente até a garagem. A chuva era insistente. Entrei no carro e fui trabalhar. No caminho, por causa da chuva, um acidente de trânsito. Parecia estar tudo bem, apesar do clima aparentemente tenso. O trânsito estava pesado. Aquela motivação inicial, aos poucos, dava lugar a preocupação. O dia dava sinais de dificuldades.

Já no trabalho, entrei na sala e vi um bilhete sobre minha mesa. Reunião as 10h. A apresentação da proposta para meu principal cliente havia sido antecipada. Virei para a porta e meu diretor estava ali, estático e aparentemente ansioso. Proposta pronta, porém, ainda havia alguns alinhamentos necessários. Tínhamos dez minutos para conversar e montar a abordagem. A tensão nos olhos do meu diretor era visível. Vamos em frente, vai dar certo. No momento da apresentação o projetor falhou. Constrangimento. Mantive a calma e o foco. Meu diretor, nem tanto. No final, tudo certo. Apresentação feita e contrato renovado. Apesar de tudo, vitória.

Corre-corre do dia, tensão, e-mails, ligações, ...

Dor de cabeça. Ah, aquela dor de cabeça não estava nos planos. Se havia algo que me tirava a concentração, era a enxaqueca que me acompanhava de vez em quando. Meu dia começou bem. Estava tão motivado. O que houve? Rapidamente, a força vital que estava em alta foi se esvaindo. As circunstâncias do dia pareciam engolir minha motivação inicial. Eu precisava de recarga. Ela pareceu sentir o que eu sentia. Recebi uma mensagem no celular. Te amo. Você escolhe a massa, eu escolho o vinho. Era Ela. Mensagem simples, mas significativa.

Tomei um remédio, respirei fundo e finalizei a rotina daquele dia. Antes de seguir para casa, resolvi caminhar. Respirar. Olhar o movimento frenético dos carros sem necessidade de estar dentro de um. A dor de cabeça foi amenizando. Fiz a reflexão do dia enquanto caminhava. Momentos de vitórias e outros de derrotas. O que fiz com cada um desses instantes? Ela surgiu na minha mente, novamente. Isso era comum. Independente do instante, Ela estava lá povoando meus melhores pensamentos.

Após a caminhada, voltei para a empresa, encontrei meu carro e retornei para casa. Ela ainda não havia chegado.

Fui até o quarto, tirei a roupa e fui para o banho. Aproveitei o tempo livre para preparar uma massa. Ouvi o barulho da porta abrir e fechar. Ela chegou trazendo o vinho. Armada de sorriso, me fuzilou com os olhos. Fui presa fácil. Eu a agradei com a massa que ela gostava. Ela agradou-me com meu vinho preferido. Chegou mais perto, largou o vinho sobre a mesa e me abraçou. Aquele abraço me tirava do chão, me refazia sem esforço. Como pode um gesto tão simples conseguir reconectar os cacos que vão soltando no decorrer da existência? E o que é essa coisa inexplicável de poder sentir o pulsar incessante do coração da outra pessoa, a explosão de adrenalina e que te joga numa dimensão sem tempo ou espaço conhecido?

Ah, aquele abraço. Simples. Único. Completo. Sem qualquer explicação lógica.

Éramos apenas nós, a simplicidade, vinho e uma noite inteira. Sublime conexão.


João Borges

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