Que dia! Quem nunca usou essa
expressão pra resumir os extremos opostos, tanto para uma conquista, um “sim”
que muda a rota da vida ou simplesmente para mostrar o quão leve foi o dia,
quanto para absorver uma decepção, uma situação que trouxe frustração ou ainda
para amenizar a sincera vontade de ligar o “botão do foda-se”.
Tinha tudo para ser um dia
especial. Saí de casa motivado, animado, com minha potência vital em alto
nível. Ela ainda dormia. Antes de sair, beijei-a com o cuidado necessário para
não acordar a fera. Ela é o tipo de mulher que tem o termômetro do humor
alterado por necessidades biológicas simples como dormir e se alimentar bem. Aprendi,
com o passar do tempo, que liberdade, alimentação saudável e descanso fazem bem
a si e a uma relação que deseja ser duradoura.
Nem a chuva, que caía com
vontade, abalou meu entusiasmo. Desci ao térreo cantarolando, cheguei na
garagem e percebi um dos pneus do carro furado. Ainda bem que aconteceu em
casa, num lugar onde posso fazer a troca sem me molhar com essa chuva, pensei.
Troquei o pneu, guardei as ferramentas, subi até o apartamento, tomei mais um
banho e troquei de roupa. Ela acordou com o barulho e percebeu meu atraso. Resolveu
levantar e me acompanhar no banho. Aquele era o tipo de atraso que vale a pena
o risco.
Apesar de ser um convite quase irrecusável, mantive o foco. No banho,
nossos corpos eram apenas detalhes, porém aquele abraço, que para ela
significava aconchego e segurança, para mim era, na verdade, a minha recarga de
energia favorita. Procurei sair rapidamente do banho. Troquei de roupa,
beijei-a novamente, dessa vez com maior intensidade.
Desci novamente até a garagem.
A chuva era insistente. Entrei no carro e fui trabalhar. No caminho, por causa
da chuva, um acidente de trânsito. Parecia estar tudo bem, apesar do clima aparentemente
tenso. O trânsito estava pesado. Aquela motivação inicial, aos poucos, dava
lugar a preocupação. O dia dava sinais de dificuldades.
Já no trabalho, entrei na sala
e vi um bilhete sobre minha mesa. Reunião as 10h. A apresentação da proposta para
meu principal cliente havia sido antecipada. Virei para a porta e meu diretor estava
ali, estático e aparentemente ansioso. Proposta pronta, porém, ainda havia alguns
alinhamentos necessários. Tínhamos dez minutos para conversar e montar a
abordagem. A tensão nos olhos do meu diretor era visível. Vamos em frente, vai
dar certo. No momento da apresentação o projetor falhou. Constrangimento. Mantive
a calma e o foco. Meu diretor, nem tanto. No final, tudo certo. Apresentação
feita e contrato renovado. Apesar de tudo, vitória.
Corre-corre do dia, tensão,
e-mails, ligações, ...
Dor de cabeça. Ah, aquela dor
de cabeça não estava nos planos. Se havia algo que me tirava a concentração,
era a enxaqueca que me acompanhava de vez em quando. Meu dia começou bem.
Estava tão motivado. O que houve? Rapidamente, a força vital que estava em alta
foi se esvaindo. As circunstâncias do dia pareciam engolir minha motivação
inicial. Eu precisava de recarga. Ela pareceu sentir o que eu sentia. Recebi
uma mensagem no celular. Te amo. Você escolhe a massa, eu escolho o vinho. Era
Ela. Mensagem simples, mas significativa.
Tomei um remédio, respirei
fundo e finalizei a rotina daquele dia. Antes de seguir para casa, resolvi
caminhar. Respirar. Olhar o movimento frenético dos carros sem necessidade de estar
dentro de um. A dor de cabeça foi amenizando. Fiz a reflexão do dia enquanto
caminhava. Momentos de vitórias e outros de derrotas. O que fiz com cada um
desses instantes? Ela surgiu na minha mente, novamente. Isso era comum.
Independente do instante, Ela estava lá povoando meus melhores pensamentos.
Após a caminhada, voltei para
a empresa, encontrei meu carro e retornei para casa. Ela ainda não havia
chegado.
Fui até o quarto, tirei a
roupa e fui para o banho. Aproveitei o tempo livre para preparar uma massa. Ouvi
o barulho da porta abrir e fechar. Ela chegou trazendo o vinho. Armada de
sorriso, me fuzilou com os olhos. Fui presa fácil. Eu a agradei com a massa que
ela gostava. Ela agradou-me com meu vinho preferido. Chegou mais perto, largou
o vinho sobre a mesa e me abraçou. Aquele abraço me tirava do chão, me refazia
sem esforço. Como pode um gesto tão simples conseguir reconectar os cacos que vão
soltando no decorrer da existência? E o que é essa coisa inexplicável de poder sentir
o pulsar incessante do coração da outra pessoa, a explosão de adrenalina e que
te joga numa dimensão sem tempo ou espaço conhecido?
Ah, aquele abraço. Simples. Único.
Completo. Sem qualquer explicação lógica.
Éramos apenas nós, a simplicidade,
vinho e uma noite inteira. Sublime conexão.
João Borges
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