Caía o entardecer. O crepúsculo
era o prenúncio das cortinas do dia que se fechavam, para dar lugar ao espetáculo
da lua cheia que já ensaiava seu brilho. Eu não fazia ideia, mas definitivamente
aquela seria uma noite especial.
Chegamos quase ao mesmo tempo
ao aeroporto, despachamos nossas malas praticamente juntas, entramos na sala de
embarque e no mesmo avião, sentamo-nos em poltronas da mesma fileira, fizemos o
check-in no mesmo hotel e éramos completos estranhos até então.
Enquanto eu fazia o check-in,
Ela aguardava ao meu lado. Discretamente, pediu a caneta que eu usava para
preencher a ficha de cadastro de hóspede. Sem qualquer esforço, sorria com os
olhos. Não foi difícil perceber. Puxou assunto dizendo que havia notado que saímos
do mesmo lugar para chegar ao mesmo destino. Contou-me sobre o objetivo da
viagem, do trabalho, dos lugares que já havia conhecido. Quando nos demos
conta, já estávamos num bistrô e as poucas horas da noite já queriam dar lugar
as primeiras horas da madrugada.
Falamos desde as trivialidades
das nossas rotinas, passando pelas vãs filosofias de bar até chegar ao profundo
poético da alma humana. Isso mostra o quão fomos intensos, rasos e profundos em
tão pouco tempo.
Viajamos pelas nossas histórias,
contamos segredos que jamais seriam contados. Era a estranha intimidade
normalmente vista num touchscreen. Mais estranho ainda era viver aquilo, sabendo
que éramos apenas aquele instante. Não havia uma perspectiva de dia seguinte,
nem tampouco arrependimentos por dias passados. Eram apenas eu, Ela e o
momento.
Deixamos a conversa fluir até
que a intimidade das palavras passou a ser intimidade na pele. Nos permitimos
tocar mãos, braços, rosto, cabelos... As palavras, aos poucos, davam lugar ao silêncio,
que em certa medida falavam mais alto que nossas próprias vozes.
Em mais um piscar de olhos,
não estávamos mais no bistrô, mas no corredor do hotel. Para fechar o ciclo da
conspiração universal, estávamos hospedados em quartos próximos. Levei Ela até
a porta do seu quarto, me despedi com um beijo e fui para o meu quarto.
Enquanto procurava o cartão de acesso, fui surpreendido por um abraço. Aquelas mãos
já não me pareciam estranhas. Ela estava atrás de mim, querendo invadir minha
madrugada muito mais que invadir meu quarto. Mais uma vez éramos três: eu, Ela
e o instante. Beijei-a com intensidade. Nela escrevi poesia com os lábios,
tendo o corpo como papel. Em mim, ela recitou cada verso em movimentos.
Já não estávamos mais no
interior do quarto, mas na sacada. A lua cheia era uma testemunha inocente e
distante. Passamos horas nos permitindo visitar os segredos ainda não contados
e descobrindo a beleza da simplicidade. Ouvimos reciprocamente os mais
profundos suspiros. Vivemos. E como vivemos.
Acordei com o sol tomando
conta do espaço. O calor serviu de despertador. Janela aberta. As cortinas ensaiavam
esvoaçar com a pouca força do vento que entrava quarto adentro. Já havia perdido
completamente a noção das horas. Ao meu lado, na cama, um vazio. Ela não estava
ali. Fui até o quarto dela. Nada. Fiz contato com a recepção. Nem mesmo um
check-in feito com seu nome. Que estranho...
Sonho? Quem sabe. Não tenho resposta
certa. Talvez mais um devaneio da mente de um jovem escritor.
João Borges
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