Das coisas que sempre gostei
de fazer, botar o pé na estrada é uma das preferidas. Se a viagem envolver
simplicidade e uma boa dose de ousadia, melhor ainda. Não quero dizer que planejar
não é necessário. Pelo contrário, faço com que planejamento e organização trabalhem
a meu favor, contribuindo para oportunizar minhas intempestivas decisões. Não
sou o tipo de pessoa que planeja uma viagem com meses ou até anos de
antecedência. Eu decido de uma hora para outra. Havendo tempo e condições, apenas
vou. E vou sozinho, de carro, porque a estrada me dá tempo de respirar, refletir
e acalmar a mente.
Lembro que num desses momentos
de boa insanidade, resolvi aproveitar as férias para viajar para o interior do
país. Era uma viagem longa, mas esse tipo de distância – entre origem e destino
– nunca me incomodou. A distância que me incomoda é aquela que, as vezes, existe
entre as pessoas que estão bem ao nosso lado. Essa é a pior delas.
Num dia fiz a revisão do
carro, no outro já estava na estrada, dirigindo para um lugar que surgiu numa
conversa trivial qualquer, entre amigos.
Para deixar a viagem mais
interessante, inclui no roteiro algumas cidades vizinhas, onde poderia conhecer
uma região maior.
Conforme se afastava da minha
cidade, percebia a mudança de cenário. Do corre-corre urbano, dos horários e
demandas que precisam de atenção, do trânsito e dos problemas que qualquer
cidade grande tem, à tranquilidade da estrada. Muito verde ao redor e apenas o
som do rádio ligado. A música, o asfalto e a natureza foram meus companheiros
durante várias horas. Pouco mais de meio dia de viagem, cheguei ao destino. Uma
cidade pequena, onde as pessoas se conhecem, se cumprimentam e confiam umas nas
outras. Estacionei meu carro em frente a uma pousada e resolvi entrar para
conhecer as instalações, além de verificar se havia vaga para pernoitar. Fui
recebido por um senhor de cabelos brancos, ar de gente simples, mas com a
disposição de um jovem. De imediato mostrou-me o lugar. Nem mesmo pediu pra
preencher formulários ou assinar qualquer documento, como seria o protocolo. O
lugar era um casarão simples, mas muito bem cuidado e limpo. Aquele ambiente favorecia
a sensação de estar em casa. Enquanto aquele velhinho simpático me mostrava a
pousada, falava sobre a história do casarão e das pessoas que ali moravam. Fui
arremessado ao passado. Era possível visualizar aquele belo lugar e as imensas
plantações de café, cravadas na zona da mata mineira. Hoje as plantações que
acompanhavam o casarão não existem mais. No lugar, outras casas foram erguidas,
ruas e praças foram construídas. Ao fundo do casarão, havia uma escola. Meu
quarto era na parte superior da pousada e a janela do quarto dava para essa
escola. Logo ao chegar, percebi o som das crianças brincando. Para alguns
poderia ser motivo para mudar de quarto, ou até mesmo sair da pousada. Para mim
não havia problema.
Tratei de levar minhas bolsas
para o quarto, tomar um banho e descansar um pouco. O som das brincadeiras
havia sido interrompido. Olhei pela janela e vi que as crianças haviam entrado em
sala de aula. Senti que estava conectado àquele lugar. Toda aquela atmosfera era
favorável ao prazer do descanso.
Terminando o banho, notei o
som de um violão. Em coro, as crianças acompanhavam a professora. Não consegui
identificar a música, mas confesso que o som era bem agradável. Me vesti e
voltei para a janela. Dali consegui ver a professora sentada no chão, e as
crianças sentadas em círculo junto dela. Num relance nossos olhares se cruzaram.
Eu, da janela, olhei sorrindo. Ela, da sala, retribuiu. Como não ser atraído
pelo olhar fulminante e sorriso perfeito que formavam covinhas naquela face
iluminada? Fiquei ali acompanhando a cena durante alguns instantes, até que a música
acabasse.
Resolvi relaxar e dormir um
pouco. Queria dar uma volta na cidade assim que fosse possível. Meu sono durou
o suficiente para recarregar as energias. Fui acordado pela chuva que caía.
Minha caminhada para conhecer a cidade estava comprometida, mas como não
desisto fácil, comprei um guarda-chuva no mercadinho próximo a pousada.
Alguns
poderão dizer que foi coincidência, eu prefiro achar que Deus me colocou na
hora e lugar certo, pois no trajeto do mercadinho para a pousada, cruzei com a
bela professora. Ela tentava correr para fugir da chuva, mas estava tão cheia
de material escolar nas mãos, que correr não lhe era possível. Chamei-a e
perguntei se ela aceitaria abrigo debaixo do meu guarda-chuva. Ela me olhou,
correu ao meu encontro e chegou perto de mim, de forma que a chuva não pudesse
causar estrago ao material. Ofereci carona de carro até sua casa. No primeiro
momento fez aquela expressão de “deixa pensar”, mas ao perceber que as poucas
quadras que tinha que caminhar até em casa poderiam estragar seu material,
resolveu aceitar. Fomos até a entrada do casarão. Eu ainda precisaria pegar a
chave do carro que estava no quarto. Enquanto isso, aquele senhor simpático, ao
perceber que ela estava me esperando, mas toda molhada por causa da chuva,
correu ao encontro oferecendo-a uma toalha.
Entramos no carro e fui
leva-la em casa. O trajeto era curto, mas pedi permissão para alongar o
percurso. Queria conversar um pouco mais. Logo de cara Ela percebeu que eu não
era dali. O sotaque me denunciava. Contei a história sobre como fui parar
naquele lugar, longe de casa, mas próximo de mim mesmo. Nossa conversa não foi
longa, mas o suficiente para deixar um gostinho de quero mais. Combinamos nos
encontrar no dia seguinte, sábado. Ela se dispôs a ser minha guia para conhecer
a região. Deixei Ela em casa e retornei à pousada. Se caminhar estava nos
planos e não deu certo, aceitei de bom grado as mudanças que acabaram
acontecendo naturalmente.
No dia seguinte, Ela me
encontrou na praça central. O dia estava ensolarado e minha guia pediu que eu
fosse de carro. Os lugares que visitaríamos seriam mais distantes. No caminho
pudemos mergulhar um pouco mais nas nossas histórias. Rir de coisas bobas. Aquele
sorriso dela me deixava sem ação. Visitamos cachoeiras e caminhamos por belas
trilhas. Uma dessas cachoeiras fica numa propriedade particular, que também
serve de ponto turístico e tem estrutura com restaurante. Ali almoçamos, diante
de uma queda d’água com aproximadamente vinte e cinco metros de altura. A tarde
foi pequena para nossas caminhadas e visitas. A última das trilhas que percorremos,
terminava num pequeno riacho. Águas calmas, som da mata com o efeito do vento e
muitos pássaros. O sol mostrava que o fim do dia estava próximo. Nos sentamos a
beira do riacho, em silêncio. Nossos olhares se cruzaram. Fiz um carinho em seu
rosto e beijei-a. Se pudesse, congelaria o tempo naquele instante. Aqueles
lábios macios me fizeram levitar. A eternidade poderia se chamar beijo. Por um
instante, Ela me colocou em algum lugar longe de preocupações, pressões e
stress. Era o lugar perfeito.
Abracei-a com vontade de contrariar
as leis da física. Ali, dois corpos ocupariam o mesmo lugar no espaço. E assim
ficamos durante um bom tempo. Era possível a um, sentir as batidas do coração do
outro.
O sol se punha. O dia passou
muito rápido.
Assim como o sábado, os dias
que se seguiram não foram diferentes. Ela e eu conversávamos todos os dias,
durante os cinco dias que fiquei na cidade. Passadas as férias e de volta a rotina,
continuamos conversando pela internet. Quer saber se ainda nos encontramos? Sempre, afinal ainda contrariamos as leis da física.
Enfim, vivi na prática o paradoxo
que diz: a distância entre duas pessoas distantes pode bem menor do que a
distância entre duas pessoas próximas.
João Borges
Joinville
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