Era um fim de semana qualquer.
Daqueles que você tira pra descansar, pensar em nada e aproveitar o dia. Pra
completar a cena, a chuva resolveu dar o ar da graça aumentando ainda mais a vontade
de permanecer na cama aqueles famosos “mais cinco minutinhos”.
Como de costume, tomei banho tão
logo saí da cama. Vesti uma roupa trivial, entenda-se bermuda, camisa e chinelo.
Arrumei o quarto e preparei o café. Uma das coisas que curto é ouvir música
enquanto faço qualquer atividade, por isso escolhi uma playlist de rock dos
anos setenta e oitenta para ouvir num aplicativo de celular. Talvez uma das rotinas
mais típicas de quem mora sozinho.
Sem me prender a rotina
doméstica, parei por dois minutos para observar a chuva. Minha mente viajou pelo
passado até encontrar o dia em que Ela me fez um convite inusitado.
Foi o dia em que ambos estavam
em período de férias e, sem combinar, escolheram os mesmos destinos: a praia. Na
temporada de verão, aquele lugar triplica a população.
Resolvi saí para caminhar pela
faixa de areia, lotada de guarda-sóis, pessoas estendidas sobre toalhas de
praia ou sentadas em cadeiras, enquanto tomavam suas cervejas e observavam o
movimento, muitas vezes com olhares escondidos pela lente escura dos óculos de
sol.
Durante a caminhada, senti que
alguma coisa bateu nas minhas costas. Olhei pra trás e vi uma bolinha e uma
jovem que corria ao meu encontro. Sem jeito, pedia desculpas por ter me
acertado em cheio. Olhei acima dos seus ombros e percebi que na verdade ela não
havia me acertado, mas sim uma mulher que estava jogando com ela. Sem me
importar por ter levado aquela bolada, sorri e devolvi a bola, acenei e continuei
caminhando. Segui até praticamente o fim da orla. Calculei uns 5km de caminhada,
sem cansar. O efeito da atmosfera da praia é incrível. Parafraseando a
internet, não é água com açúcar que acalma. É água com sal.
Fiquei sentado na areia, no
mesmo lugar que resolvi parar a caminhada. O sol aos poucos dava lugar as
nuvens, que chegavam escuras e pesadas. A chuva se anunciava e eu ainda tinha
5km de caminhada para voltar. Não havia percebido, mas a mulher que me acertou
a bolada também veio caminhar. Estava sentada, mais ao longe, observando a
chegada da chuva.
Fiquei olhando o movimento das
pessoas que deixavam a faixa de areia enquanto eu pensava as formas de cortar
caminho pra fugir da chuva. Iniciei meu retorno pela faixa de areia mesmo, até
chegar a um ponto que pudesse ser usado de abrigo. Distraído, ouvi uma voz que
vinha por trás de mim. “Vamos continuar a caminhada?”, convidava. Meu olhar
perdido ainda buscava um abrigo, enquanto a voz insistia: “Vem, vamos caminhar
na chuva”. Olhei pra trás e me deparei com aquela bela mulher. Num primeiro
momento, travei sem saber direito o que dizer. “Quer me acompanhar?”, insistia.
No momento seguinte, retomei meus sentidos, sorri e continuei caminhando ao
lado dela. Foram mais 5km de caminhada sob uma chuva que aumentava a cada
instante, inversamente proporcional ao ritmo da caminhada, que diminuía a medida
que o papo fluía. Como não havia queda de raios ou trovões, a caminhada seguiu
tranquila. Ela me contou o que tinha passado aquele ano pra chegar até ali. Falou
um pouco do trabalho e muito dos seus gostos musicais, o que gosta de fazer
enquanto ouve música, dos lugares que frequenta, do divórcio, dos filhos e da sua
rotina. Os poucos mais de 30 minutos que usei caminhando na ida, transformaram-se
em quase três horas no caminho da volta. Não percebemos o tempo passar, nem
mesmo o trajeto que havíamos feito.
Mais ou menos na metade do
trajeto, interrompemos a caminhada. Sentamos na areia molhada para alongar o
papo e a presença. Sorrisos tentavam disfarçar o envolvimento da troca de olhares
que de vez em quando eram feitos. Nos poucos momentos de silêncio, ambos
buscavam no horizonte alguma resposta para entender o que estava acontecendo
ali. O vento soprava leve e as gotas de chuva já tomavam conta dos nossos corpos.
Quando resolvemos finalizar o trajeto, poucas pessoas ainda estavam na praia.
Nossa conversa foi boa, descolada e relaxada. Já no fim da caminhada, Ela virou
de frente para mim e me beijou. No início um leve toque dos lábios, depois a
intensidade aumentou.
Ainda abraçados, Ela agradeceu
a companhia e o bom papo. Aqueles olhos castanhos sorriam naturalmente. Puro
encanto.
Não trocamos contato, apenas o
compromisso de sempre lembrarmos daquele momento de chuva. Um último beijo e a
despedida. Ela desapareceu no movimento das ruas.
Passados os dois minutos para
visitar minhas lembranças do passado, enquanto ouvia rock e o som da chuva, segui
meu fim de semana. Quem sabe no fim da tarde faça uma caminhada na praia, com
chuva mesmo.
Deveria sair pra caminhar mais vezes!!!
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