quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

...COM CHUVA MESMO




Era um fim de semana qualquer. Daqueles que você tira pra descansar, pensar em nada e aproveitar o dia. Pra completar a cena, a chuva resolveu dar o ar da graça aumentando ainda mais a vontade de permanecer na cama aqueles famosos “mais cinco minutinhos”.
Como de costume, tomei banho tão logo saí da cama. Vesti uma roupa trivial, entenda-se bermuda, camisa e chinelo. Arrumei o quarto e preparei o café. Uma das coisas que curto é ouvir música enquanto faço qualquer atividade, por isso escolhi uma playlist de rock dos anos setenta e oitenta para ouvir num aplicativo de celular. Talvez uma das rotinas mais típicas de quem mora sozinho.
Sem me prender a rotina doméstica, parei por dois minutos para observar a chuva. Minha mente viajou pelo passado até encontrar o dia em que Ela me fez um convite inusitado.
Foi o dia em que ambos estavam em período de férias e, sem combinar, escolheram os mesmos destinos: a praia. Na temporada de verão, aquele lugar triplica a população.

Resolvi saí para caminhar pela faixa de areia, lotada de guarda-sóis, pessoas estendidas sobre toalhas de praia ou sentadas em cadeiras, enquanto tomavam suas cervejas e observavam o movimento, muitas vezes com olhares escondidos pela lente escura dos óculos de sol.

Durante a caminhada, senti que alguma coisa bateu nas minhas costas. Olhei pra trás e vi uma bolinha e uma jovem que corria ao meu encontro. Sem jeito, pedia desculpas por ter me acertado em cheio. Olhei acima dos seus ombros e percebi que na verdade ela não havia me acertado, mas sim uma mulher que estava jogando com ela. Sem me importar por ter levado aquela bolada, sorri e devolvi a bola, acenei e continuei caminhando. Segui até praticamente o fim da orla. Calculei uns 5km de caminhada, sem cansar. O efeito da atmosfera da praia é incrível. Parafraseando a internet, não é água com açúcar que acalma. É água com sal.

Fiquei sentado na areia, no mesmo lugar que resolvi parar a caminhada. O sol aos poucos dava lugar as nuvens, que chegavam escuras e pesadas. A chuva se anunciava e eu ainda tinha 5km de caminhada para voltar. Não havia percebido, mas a mulher que me acertou a bolada também veio caminhar. Estava sentada, mais ao longe, observando a chegada da chuva.

Fiquei olhando o movimento das pessoas que deixavam a faixa de areia enquanto eu pensava as formas de cortar caminho pra fugir da chuva. Iniciei meu retorno pela faixa de areia mesmo, até chegar a um ponto que pudesse ser usado de abrigo. Distraído, ouvi uma voz que vinha por trás de mim. “Vamos continuar a caminhada?”, convidava. Meu olhar perdido ainda buscava um abrigo, enquanto a voz insistia: “Vem, vamos caminhar na chuva”. Olhei pra trás e me deparei com aquela bela mulher. Num primeiro momento, travei sem saber direito o que dizer. “Quer me acompanhar?”, insistia. No momento seguinte, retomei meus sentidos, sorri e continuei caminhando ao lado dela. Foram mais 5km de caminhada sob uma chuva que aumentava a cada instante, inversamente proporcional ao ritmo da caminhada, que diminuía a medida que o papo fluía. Como não havia queda de raios ou trovões, a caminhada seguiu tranquila. Ela me contou o que tinha passado aquele ano pra chegar até ali. Falou um pouco do trabalho e muito dos seus gostos musicais, o que gosta de fazer enquanto ouve música, dos lugares que frequenta, do divórcio, dos filhos e da sua rotina. Os poucos mais de 30 minutos que usei caminhando na ida, transformaram-se em quase três horas no caminho da volta. Não percebemos o tempo passar, nem mesmo o trajeto que havíamos feito.

Mais ou menos na metade do trajeto, interrompemos a caminhada. Sentamos na areia molhada para alongar o papo e a presença. Sorrisos tentavam disfarçar o envolvimento da troca de olhares que de vez em quando eram feitos. Nos poucos momentos de silêncio, ambos buscavam no horizonte alguma resposta para entender o que estava acontecendo ali. O vento soprava leve e as gotas de chuva já tomavam conta dos nossos corpos. 

Quando resolvemos finalizar o trajeto, poucas pessoas ainda estavam na praia. Nossa conversa foi boa, descolada e relaxada. Já no fim da caminhada, Ela virou de frente para mim e me beijou. No início um leve toque dos lábios, depois a intensidade aumentou.
Ainda abraçados, Ela agradeceu a companhia e o bom papo. Aqueles olhos castanhos sorriam naturalmente. Puro encanto.

Não trocamos contato, apenas o compromisso de sempre lembrarmos daquele momento de chuva. Um último beijo e a despedida. Ela desapareceu no movimento das ruas.

Passados os dois minutos para visitar minhas lembranças do passado, enquanto ouvia rock e o som da chuva, segui meu fim de semana. Quem sabe no fim da tarde faça uma caminhada na praia, com chuva mesmo.

Um comentário:

PERDI A CONTA

  Eu já perdi a conta das vezes que tentei te descrever. Faltou vocabulário. Faltaram adjetivos. Sobraram qualidades em meio aos defeitos...