A noite passou num sopro.
Acordei assustado e fui direto pegar o celular pra ver a hora. Minha nossa! Estava
muito atrasado. Nem ouvi o despertador tocar. O coitado do aplicativo insistiu
tanto que até desistiu. Num salto, saí da cama e corri para o banheiro. Tomei um
banho em tempo recorde.
Escovei os dentes, encarei rapidamente o espelho pra
ver o estado crítico do cabelo, me vesti com as primeiras peças de roupa que
encontrei pela frente e saí. Mais tarde, descobri que minhas meias estavam trocadas
e escolhi roupas que dariam inveja a qualquer paleta de cores. Paciência. Agora
eu precisava me concentrar em chegar.
Fome? Sono? A adrenalina do atraso fez
esquecer qualquer falta da necessidade básica de se alimentar ou querer alguns
minutos a mais de descanso. Foco, foco. Preciso me concentrar em apresentar o
melhor trabalho... Trabalho, trabalho. Meu Deus! Esqueci o trabalho e o pen
drive sobre a mesa. Caminho de volta, mais atraso. Te concentra, homem! O que
mais pode acontecer de errado?
Deixa ver, coloquei os impressos e o pen drive
na bolsa e a bolsa está sobre a mesa. Isso! É só chegar, pegar e voltar. Por que
fui insistir em não enviar isso por e-mail? Eu sei, é aquele bendito medo de
enviar e alguém se apropriar da sua ideia ou modifica-la antes de apresentar,
não é? Foco, homem. Você precisa se concentrar. Logo hoje, que eu preciso
apresentar e voltar para preparar a surpresa pra... Espera! A surpresa. Será
que minha família preparou a... Deixa pra lá! Você precisa dar atenção a essa
apresentação e torcer pra nada mais dar errado.
O caminho está relativamente
livre, ainda bem. O trânsito está ajudando. Vou ligar uma música pra relaxar.
Ah, essa música. Me faz lembrar quando encontrei Ela pela primeira vez. Opa!
Blitz de trânsito a frente. Será que vão pedir pra parar o meu carro? Por
favor, não. Estou atrasado. Essa música está começando a incomodar. Deixa mudar
o ritmo. A fila da blitz está diminuindo, já vejo os policiais. Vou baixar o
volume do som. Ufa! Passei.
Vamos em frente. Estou quase lá. Vish, acho que vai
chover, e logo. Cadê meu guarda-chuva? Não é possível. Não está no carro.
Tomara que não chova até eu entrar no escritório. Vou desligar o som, está
incomodando. Gotas no para-brisa do carro. Chuva. Meu Deus!
Cheguei, mas a
chuva está intensa. E agora? Acho que se der uma corrida, não chego tão molhado
na recepção. Vamos ver, onde tem vaga pra estacionar? Hoje todo mundo resolveu
vir de carro e estacionar aqui. Opa. Achei uma vaga. Sorte a minha que não fica
tão longe da entrada. Vamos lá. Coragem. Corrida, recepção, apresentação e
vitória! Eu consigo.
Abro a porta do carro e sou lavado por um carro que acabou
de passar numa poça d’água. Meus nervos estão a flor da pele, mas eu preciso muito
de concentração. É importante que você apresente. Sigo em frente. Entro na
recepção e percebo que há apenas o vigilante. Ele me cumprimenta e eu respondo
cordialmente. Preciso apresentar um trabalho para a diretoria da empresa. O vigilante
olha com ar desconfiado. Diretoria? Hoje não há ninguém aqui. Hoje é domingo. Poderia
voltar amanhã?
Meu corpo treme inteiro. Não sei o que fazer. Saio correndo, mas
a porta automática não abre a tempo. Bati a cabeça no vidro da porta e caí meio tonto.
Ao longe um som intermitente se fazia ouvir. Aos poucos vou recobrando a consciência.
Como vim parar na minha cama? Nossa! É o som do despertador. Ufa. Foi só um
sonho. Estou a salvo. Agora vou tomar meu banho, porque hoje é um dia importante.
Vou apresentar meu trabalho para a diretoria...
João Borges