Seria uma viagem rápida. Todos
os cuidados possíveis foram tomados. Minha organização exagerada talvez tenha
sido um dos motivos para que meu relacionamento tenha terminado. Para mim, até
o imprevisto deveria ser previsto. Não havia margem para considerar
inesperados. Esse seria o momento adequado para colocar a cabeça no lugar,
respirar e pensar em mim. Não que isso não era feito antes, mas no objetivo de
fazer dar certo, esquecia que existe alguém tão importante na minha vida,
quanto a pessoa que está ao meu lado: eu mesmo. Deixar isso de lado é um
terrível engano.
Cheguei ao aeroporto dentro do
prazo previsto, despachei as malas e aguardei o embarque, ficando apenas com
uma mochila com carteira de documentos, cartões e uma pequena reserva em
dinheiro.
O avião já estava lá, a
espera. Apesar das inúmeras vezes, nunca consegui acostumar com viagens aéreas.
A ansiedade era latente, porém o destino compensava qualquer esforço. Apesar de
ser uma visita rápida, dois dias e uma noite seriam o suficiente para relaxar.
A viagem transcorreu
tranquila. O semblante da maioria dos passageiros denunciava a normalidade,
exceto o meu. Eu era a plena imagem do alívio por estar de volta ao solo firme.
Logo de cara o destino me pregou
a primeira peça. Não encontrei minha bagagem. Verifiquei a identificação da
esteira de desembarque para me certificar que estava no lugar certo, olhei para
os lados e todos os passageiros do mesmo voo que eu, estavam com suas malas em
direção a saída do aeroporto. Fui até o guichê da companhia aérea e registrei
uma reclamação. Fariam o reembolso da minha bagagem, porém isso ainda demoraria
alguns dias. Santa paciência. A solução era ir até o hotel e verificar uma loja
de roupas próxima para que eu pudesse comprar o suficiente para passar aqueles
dias. Já estava usando parte da minha reserva para imprevistos. Com certa
maldade, minha mente contabilizava a primeira vitória. “Viu só como pensar em
tudo vale a pena?”, pensava eu querendo dar resposta a uma pessoa que nem
estava mais comigo.
Cheguei ao hotel, fiz o check-in
e fui até o quarto. Uma maravilhosa vista para o mar seria a primeira coisa que
eu enxergaria ao amanhecer. Na recepção, perguntei sobre a tal loja de roupas.
Queria resolver isso o quanto antes para aproveitar cada instante naquele lugar. Recebi um cartão com nome, endereço e telefone de uma
loja de roupas a poucos metros do hotel.
Tratei de me organizar e ir a
tal loja. Aliás, essa sempre foi uma das coisas que não me deixavam a vontade. Elis
sempre me ajudava nas escolhas, desde que fossem as mais rápidas possíveis.
Cheguei a loja e fui prontamente
atendido por uma moça sorridente que tratou de absorver o maior número de
informações possíveis quanto a minha necessidade. Enquanto eu falava, ela me conduzia
para o interior da loja, para chegar até a sessão de roupas que eu estava
precisando. Chegando na sessão determinada, a atendente me apresentou a
vendedora. Seria ela que apresentaria todas as opções. Fiquei sem palavras,
tamanha a beleza daquela mulher. Ela deve ter pronunciado umas duas ou três
frases, porém nenhuma foi capaz de me tirar daquele transe. “Oi”, foi o que
ouvi depois de alguma insistência. Recém acordado e meio constrangido, pedi
desculpas.
Ela me ajudou a escolher
algumas peças. Nossa conversa rolou mais solta. Ela falava de roupas, música,
poesia, filmes e mais roupas. Talvez para me deixar mais a vontade. Se esse era
o objetivo, estava conseguindo.
Sem perceber, passei muito
mais tempo na loja do que havia previsto. Separei as roupas que Ela me ajudou
escolher, passei no caixa, fiz o pagamento e fui em direção a saída. Ela estava
lá, próxima a saída. Fiz questão de passar próximo para agradecer o atendimento
e, claro, apreciar um pouco mais a beleza daquela mulher. Ela me estendeu a
mão. Segurava um bilhete que me foi entregue assim que cheguei próximo. Peguei
o bilhete e senti o toque suave de suas mãos. De forma ousada, me beijou no
rosto e agradeceu.
Obviamente não é comum que vendedoras
tenham esse tipo de conduta com seus clientes, mas aquele gesto me surpreendeu positivamente.
Deixei para abrir o bilhete
quando estivesse no quarto. No caminho até o hotel minha mente montou um filme.
Tudo o que havia passado recentemente com Elis, o fim do relacionamento, as
dúvidas, medos e incertezas que são típicas do período de encerramento de um
ciclo.
Era necessário pensar
diferente. O objetivo era cativar a si próprio. Reorganizar a vida, resgatar o
melhor de mim. E agora aparece Ela, uma mulher linda e cativante, com um bilhete
o qual nem faço ideia do conteúdo. Ah, as expectativas. Parece que são criadas
em cativeiro. Quando menos percebemos, lá estão elas.
Cheguei no quarto, larguei as
bolsas e fui direto a uma mesa próxima ao guarda-corpo da sacada. Abri o bilhete
e vi escrito: “Eterno é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com
tamanha intensidade, que se eterniza. E nenhuma força jamais o resgata. Carlos
Drummond de Andrade”. Na linha abaixo, estava seu telefone e mais um recado: “Desejo
frações de segundos de eternidade com você”.
Liguei para Ela logo na
primeira noite. Aquela voz docemente irresistível atendeu. Marcamos um local na
orla para nos encontrar. Como não conhecia o lugar, resolvi fazer uma caminhada
pela areia. Estava vestindo uma camisa que Ela havia escolhido. Não demorou
muito e logo a vi. Lá estava Ela. Sentada de frente para o mar, deixando seus
cabelos soltos esvoaçantes dançarem leves ao som do vento que soprava. A faixa
de areia era extensa e estava relativamente vazia. O movimento se fazia ao
longe, na avenida. Ela me avistou e foi ao meu encontro. Fui recebido com um
abraço, daqueles que juntam os cacos esfarelados do peito e conseguem reconstruir,
pelo menos parcialmente, uma parte da vida que havia se quebrado.
Entre risos e palavras, os abraços
se seguiam cada vez mais ousados. Os toques na pele estavam cada vez mais
sensíveis. O vento era a desculpa para que Ela segurasse meu braço e pedisse meu
abraço. Eu cedia aos pedidos, envolvendo-a o máximo.
Chegamos próximos a um
conjunto de pedras na praia. O som das ondas era forte. Era possível perceber
que o mar tentava mostrar sua imponência atingindo, com certa brutalidade, as
pedras que nos protegiam.
Ela me convidou para sentar na
areia bem próximo ao seu corpo. Segurou meu braço enquanto deitava sua cabeça
no meu ombro. Aquele silêncio, interrompido pelo som das ondas nas pedras, nos
transportava pela segura sensação de aquele momento não teria mais fim.
Ela me olhou nos olhos. Vi
verdades naquele olhar.
Num movimento, me beijou. Um
longo e delicioso beijo. Sensações a flor da pele. Carinho que se fazia em
forma de carícia. As mãos escorriam pelo corpo as vezes leves, as vezes mais fortes,
descobrindo a intensidade que cada um tinha a oferecer. As roupas não
conseguiram segurar aquele impulso. Corpos e almas desnudas, entregando-se a segundos
de eternidade. Os gemidos mais intensos eram abafados pelo encontro das ondas nas
pedras. Os movimentos que uniam nossos corpos pareciam sincronia de dança,
perfeitamente encaixados. O suor era facilmente dissipado. Poesia pura naqueles
segundos que se transformaram em minutos, e os minutos que se transformaram em
horas.
Mal percebemos, mas a noite já
havia se transformado em madrugada. Era necessário se despedir já que Ela
precisaria descansar para encarar mais um dia de trabalho, já na manhã que se
aproximava.
Nos recompomos e retornamos,
abraçados, caminhando pela areia próximo a água, até o ponto onde havíamos nos
encontrado. Um último beijo selou aquela noite. O beijo que havia desvendado a
maciez dos lábios e o carinho do toque. Nos despedimos com sabor e aroma de
bons momentos. Sabíamos que talvez fosse a única oportunidade de nos encontrar.
Talvez por isso nos lançamos tão intensamente ao momento.
Voltei para o hotel. Ela, para
sua casa. O dia seguinte seria de normalidade. Normalidade?
“Cada vez que você faz uma opção,
está transformando sua essência em alguma coisa um pouco diferente do que era
antes” (C.S. Lewis)
Seria uma viagem rápida. Foi
tão rápida, quanto eterna.
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