domingo, 2 de setembro de 2018

SERIA UMA VIAGEM RÁPIDA. FOI...



Seria uma viagem rápida. Todos os cuidados possíveis foram tomados. Minha organização exagerada talvez tenha sido um dos motivos para que meu relacionamento tenha terminado. Para mim, até o imprevisto deveria ser previsto. Não havia margem para considerar inesperados. Esse seria o momento adequado para colocar a cabeça no lugar, respirar e pensar em mim. Não que isso não era feito antes, mas no objetivo de fazer dar certo, esquecia que existe alguém tão importante na minha vida, quanto a pessoa que está ao meu lado: eu mesmo. Deixar isso de lado é um terrível engano.

Cheguei ao aeroporto dentro do prazo previsto, despachei as malas e aguardei o embarque, ficando apenas com uma mochila com carteira de documentos, cartões e uma pequena reserva em dinheiro.
O avião já estava lá, a espera. Apesar das inúmeras vezes, nunca consegui acostumar com viagens aéreas. A ansiedade era latente, porém o destino compensava qualquer esforço. Apesar de ser uma visita rápida, dois dias e uma noite seriam o suficiente para relaxar.

A viagem transcorreu tranquila. O semblante da maioria dos passageiros denunciava a normalidade, exceto o meu. Eu era a plena imagem do alívio por estar de volta ao solo firme.

Logo de cara o destino me pregou a primeira peça. Não encontrei minha bagagem. Verifiquei a identificação da esteira de desembarque para me certificar que estava no lugar certo, olhei para os lados e todos os passageiros do mesmo voo que eu, estavam com suas malas em direção a saída do aeroporto. Fui até o guichê da companhia aérea e registrei uma reclamação. Fariam o reembolso da minha bagagem, porém isso ainda demoraria alguns dias. Santa paciência. A solução era ir até o hotel e verificar uma loja de roupas próxima para que eu pudesse comprar o suficiente para passar aqueles dias. Já estava usando parte da minha reserva para imprevistos. Com certa maldade, minha mente contabilizava a primeira vitória. “Viu só como pensar em tudo vale a pena?”, pensava eu querendo dar resposta a uma pessoa que nem estava mais comigo.

Cheguei ao hotel, fiz o check-in e fui até o quarto. Uma maravilhosa vista para o mar seria a primeira coisa que eu enxergaria ao amanhecer. Na recepção, perguntei sobre a tal loja de roupas. Queria resolver isso o quanto antes para aproveitar cada instante naquele lugar. Recebi um cartão com nome, endereço e telefone de uma loja de roupas a poucos metros do hotel.

Tratei de me organizar e ir a tal loja. Aliás, essa sempre foi uma das coisas que não me deixavam a vontade. Elis sempre me ajudava nas escolhas, desde que fossem as mais rápidas possíveis.

Cheguei a loja e fui prontamente atendido por uma moça sorridente que tratou de absorver o maior número de informações possíveis quanto a minha necessidade. Enquanto eu falava, ela me conduzia para o interior da loja, para chegar até a sessão de roupas que eu estava precisando. Chegando na sessão determinada, a atendente me apresentou a vendedora. Seria ela que apresentaria todas as opções. Fiquei sem palavras, tamanha a beleza daquela mulher. Ela deve ter pronunciado umas duas ou três frases, porém nenhuma foi capaz de me tirar daquele transe. “Oi”, foi o que ouvi depois de alguma insistência. Recém acordado e meio constrangido, pedi desculpas.

Ela me ajudou a escolher algumas peças. Nossa conversa rolou mais solta. Ela falava de roupas, música, poesia, filmes e mais roupas. Talvez para me deixar mais a vontade. Se esse era o objetivo, estava conseguindo.
Sem perceber, passei muito mais tempo na loja do que havia previsto. Separei as roupas que Ela me ajudou escolher, passei no caixa, fiz o pagamento e fui em direção a saída. Ela estava lá, próxima a saída. Fiz questão de passar próximo para agradecer o atendimento e, claro, apreciar um pouco mais a beleza daquela mulher. Ela me estendeu a mão. Segurava um bilhete que me foi entregue assim que cheguei próximo. Peguei o bilhete e senti o toque suave de suas mãos. De forma ousada, me beijou no rosto e agradeceu.

Obviamente não é comum que vendedoras tenham esse tipo de conduta com seus clientes, mas aquele gesto me surpreendeu positivamente.

Deixei para abrir o bilhete quando estivesse no quarto. No caminho até o hotel minha mente montou um filme. Tudo o que havia passado recentemente com Elis, o fim do relacionamento, as dúvidas, medos e incertezas que são típicas do período de encerramento de um ciclo.

Era necessário pensar diferente. O objetivo era cativar a si próprio. Reorganizar a vida, resgatar o melhor de mim. E agora aparece Ela, uma mulher linda e cativante, com um bilhete o qual nem faço ideia do conteúdo. Ah, as expectativas. Parece que são criadas em cativeiro. Quando menos percebemos, lá estão elas.  

Cheguei no quarto, larguei as bolsas e fui direto a uma mesa próxima ao guarda-corpo da sacada. Abri o bilhete e vi escrito: “Eterno é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se eterniza. E nenhuma força jamais o resgata. Carlos Drummond de Andrade”. Na linha abaixo, estava seu telefone e mais um recado: “Desejo frações de segundos de eternidade com você”.

Liguei para Ela logo na primeira noite. Aquela voz docemente irresistível atendeu. Marcamos um local na orla para nos encontrar. Como não conhecia o lugar, resolvi fazer uma caminhada pela areia. Estava vestindo uma camisa que Ela havia escolhido. Não demorou muito e logo a vi. Lá estava Ela. Sentada de frente para o mar, deixando seus cabelos soltos esvoaçantes dançarem leves ao som do vento que soprava. A faixa de areia era extensa e estava relativamente vazia. O movimento se fazia ao longe, na avenida. Ela me avistou e foi ao meu encontro. Fui recebido com um abraço, daqueles que juntam os cacos esfarelados do peito e conseguem reconstruir, pelo menos parcialmente, uma parte da vida que havia se quebrado.

Entre risos e palavras, os abraços se seguiam cada vez mais ousados. Os toques na pele estavam cada vez mais sensíveis. O vento era a desculpa para que Ela segurasse meu braço e pedisse meu abraço. Eu cedia aos pedidos, envolvendo-a o máximo.
Chegamos próximos a um conjunto de pedras na praia. O som das ondas era forte. Era possível perceber que o mar tentava mostrar sua imponência atingindo, com certa brutalidade, as pedras que nos protegiam.

Ela me convidou para sentar na areia bem próximo ao seu corpo. Segurou meu braço enquanto deitava sua cabeça no meu ombro. Aquele silêncio, interrompido pelo som das ondas nas pedras, nos transportava pela segura sensação de aquele momento não teria mais fim.

Ela me olhou nos olhos. Vi verdades naquele olhar.

Num movimento, me beijou. Um longo e delicioso beijo. Sensações a flor da pele. Carinho que se fazia em forma de carícia. As mãos escorriam pelo corpo as vezes leves, as vezes mais fortes, descobrindo a intensidade que cada um tinha a oferecer. As roupas não conseguiram segurar aquele impulso. Corpos e almas desnudas, entregando-se a segundos de eternidade. Os gemidos mais intensos eram abafados pelo encontro das ondas nas pedras. Os movimentos que uniam nossos corpos pareciam sincronia de dança, perfeitamente encaixados. O suor era facilmente dissipado. Poesia pura naqueles segundos que se transformaram em minutos, e os minutos que se transformaram em horas.

Mal percebemos, mas a noite já havia se transformado em madrugada. Era necessário se despedir já que Ela precisaria descansar para encarar mais um dia de trabalho, já na manhã que se aproximava.

Nos recompomos e retornamos, abraçados, caminhando pela areia próximo a água, até o ponto onde havíamos nos encontrado. Um último beijo selou aquela noite. O beijo que havia desvendado a maciez dos lábios e o carinho do toque. Nos despedimos com sabor e aroma de bons momentos. Sabíamos que talvez fosse a única oportunidade de nos encontrar. Talvez por isso nos lançamos tão intensamente ao momento.

Voltei para o hotel. Ela, para sua casa. O dia seguinte seria de normalidade. Normalidade?

“Cada vez que você faz uma opção, está transformando sua essência em alguma coisa um pouco diferente do que era antes” (C.S. Lewis)

Seria uma viagem rápida. Foi tão rápida, quanto eterna.

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