quarta-feira, 29 de agosto de 2018

O ACASO EM OUTRA TARDE DE SOL



O espelho d’água estava incrivelmente límpido. Os raios de sol se espalhavam serenos pela extensão do lago. A tranquilidade daquele lugar era composta por sons de pássaros e folhas das inúmeras árvores, que se debatiam levemente sob o efeito do vento calmo. O cansaço físico causado pelo esforço da caminhada através da trilha em meio a mata, era compensado sempre que o enorme campo se apresentava diante dos olhos, oferecendo um gramado verde para deitar e descansar livremente.

Apesar de não ser necessário, fui metódico e planejei a caminhada pela trilha com antecedência. O lugar tinha presença frequente de gente dos mais diversos lugares, o que garantiria oportunidade de conhecer novas pessoas. Como havia acabado de sair de um relacionamento, talvez fosse o que eu estava precisando para espairecer um pouco.
Saí de casa sem expectativas e disposto a aproveitar cada instante. Só não esperava que aquela tarde reservaria uma surpresa, daquelas que ficam eternizadas na alma.

Estava deitado e de olhos fechados para aproveitar o som do silêncio, quebrado apenas pela natureza exuberante e rica. A luz do sol, que era o principal motivo de manter os olhos fechados, foi interrompido pela presença de uma sombra repentina. Abri os olhos e vi uma silhueta feminina. Aos poucos, a imagem daquele sorriso foi ficando mais clara. Seria casual? Por qual motivo o universo fez aquela pessoa surgir naquele lugar, exatamente naquele momento da vida? Ela foi a mulher que mais mexeu com meus sentimentos na juventude e já estava guardada no arquivo das melhores memórias. Com o coração disparado, esbocei um cumprimento, que foi impedido por um breve gesto feito por quem pede silêncio, seguido daquele sorriso que sabia realmente me encantar. Sem dizer nada, Ela estendeu sua mão pedindo para que eu levantasse. Me guiou até um lugar mais reservado, estendeu uma toalha no gramado, largou sua bolsa, sentou na toalha enquanto eu acompanhava cada movimento, sem entender direito o que estava acontecendo e sem pronunciar qualquer palavra. Ela sorriu e novamente estendeu a mão, dessa vez para sentar ao seu lado. Passivo e quase anestesiado, segui seu chamado. Com um olhar profundo, senti o toque suave da sua mão que corria em meus cabelos e descia pelo rosto. Tentei retribuir o carinho, mas Ela afastou minhas mãos. Percebi que precisava continuar passivo àquele instante. Resolvi me entregar ao momento e estendi meu corpo ao seu lado, quase colado ao corpo dela. Fechei os olhos, desta vez sem que o sol precisasse ser o motivo. Senti no rosto o deslizar dos dedos macios e finos. Enquanto era explorado a cada centímetro, meu corpo recebia doses extras de adrenalina, que pareciam querer ser expulsas pelos poros. As terminações nervosas da pele foram testadas ao extremo e o coração, em ritmo acelerado, sentia o conforto de um carinho inexplicável. 

Não eram necessárias palavras. O necessário era estar. Apenas isso. Estar 100% ali, sem pretensões ou explicações. Nos amamos profundamente sem palavras. Amamos num eterno período de algumas horas. Aromas da natureza se misturavam ao perfume da pele sensualmente arrepiada.

Percepções? Nenhuma. Quem precisa de percepções quando não existem motivações? Apenas viver o melhor do instante que se apresenta.

Sem cobranças, o eterno fez seu papel. Mais um momento com Ela, que foi guardado em meus arquivos das melhores memórias.

A mim, restava apenas fazer o caminho de volta logo ao entardecer. A Ela, desaparecer tão repentinamente como apareceu naquela tarde de sol. 

A nós, esperar viver o acaso em outra tarde de sol.

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PERDI A CONTA

  Eu já perdi a conta das vezes que tentei te descrever. Faltou vocabulário. Faltaram adjetivos. Sobraram qualidades em meio aos defeitos...