O espelho d’água estava
incrivelmente límpido. Os raios de sol se espalhavam serenos pela extensão do
lago. A tranquilidade daquele lugar era composta por sons de pássaros e folhas das
inúmeras árvores, que se debatiam levemente sob o efeito do vento calmo. O cansaço
físico causado pelo esforço da caminhada através da trilha em meio a mata, era
compensado sempre que o enorme campo se apresentava diante dos olhos, oferecendo
um gramado verde para deitar e descansar livremente.
Apesar de não ser necessário,
fui metódico e planejei a caminhada pela trilha com antecedência. O lugar tinha
presença frequente de gente dos mais diversos lugares, o que garantiria
oportunidade de conhecer novas pessoas. Como havia acabado de sair de um
relacionamento, talvez fosse o que eu estava precisando para espairecer um
pouco.
Saí de casa sem expectativas e
disposto a aproveitar cada instante. Só não esperava que aquela tarde
reservaria uma surpresa, daquelas que ficam eternizadas na alma.
Estava deitado e de olhos
fechados para aproveitar o som do silêncio, quebrado apenas pela natureza
exuberante e rica. A luz do sol, que era o principal motivo de manter os olhos
fechados, foi interrompido pela presença de uma sombra repentina. Abri os olhos
e vi uma silhueta feminina. Aos poucos, a imagem daquele sorriso foi ficando
mais clara. Seria casual? Por qual motivo o universo fez aquela pessoa surgir
naquele lugar, exatamente naquele momento da vida? Ela foi a mulher que mais
mexeu com meus sentimentos na juventude e já estava guardada no arquivo das
melhores memórias. Com o coração disparado, esbocei um cumprimento, que foi
impedido por um breve gesto feito por quem pede silêncio, seguido daquele
sorriso que sabia realmente me encantar. Sem dizer nada, Ela estendeu sua mão
pedindo para que eu levantasse. Me guiou até um lugar mais reservado, estendeu
uma toalha no gramado, largou sua bolsa, sentou na toalha enquanto eu acompanhava
cada movimento, sem entender direito o que estava acontecendo e sem pronunciar
qualquer palavra. Ela sorriu e novamente estendeu a mão, dessa vez para sentar
ao seu lado. Passivo e quase anestesiado, segui seu chamado. Com um olhar profundo,
senti o toque suave da sua mão que corria em meus cabelos e descia pelo rosto.
Tentei retribuir o carinho, mas Ela afastou minhas mãos. Percebi que precisava
continuar passivo àquele instante. Resolvi me entregar ao momento e estendi meu
corpo ao seu lado, quase colado ao corpo dela. Fechei os olhos, desta vez sem que
o sol precisasse ser o motivo. Senti no rosto o deslizar dos dedos macios e
finos. Enquanto era explorado a cada centímetro, meu corpo recebia doses extras
de adrenalina, que pareciam querer ser expulsas pelos poros. As terminações
nervosas da pele foram testadas ao extremo e o coração, em ritmo acelerado,
sentia o conforto de um carinho inexplicável.
Não eram necessárias palavras. O
necessário era estar. Apenas isso. Estar 100% ali, sem pretensões ou
explicações. Nos amamos profundamente sem palavras. Amamos num eterno período
de algumas horas. Aromas da natureza se misturavam ao perfume da pele
sensualmente arrepiada.
Percepções? Nenhuma. Quem
precisa de percepções quando não existem motivações? Apenas viver o melhor do
instante que se apresenta.
Sem cobranças, o eterno fez
seu papel. Mais um momento com Ela, que foi guardado em meus arquivos das
melhores memórias.
A mim, restava apenas fazer o
caminho de volta logo ao entardecer. A Ela, desaparecer tão repentinamente como
apareceu naquela tarde de sol.
A nós, esperar viver o acaso em outra tarde de
sol.