Era uma noite fria qualquer. Chovia pouco e a hora entrava madrugada a dentro.
Aquela noite foi especialmente boa. Amigos reunidos, muita
festa, boas risadas, bom vinho. Tudo havia sido minuciosamente planejado. Eu
era um dos poucos que ainda estava sóbrio. Minha tolerância a bebidas tinha um
limite muito aquém dos meus amigos e a régua havia chegado ao limite do tolerável.
Junto a calçada, a fila de táxis denunciava o fim da festa aos que passavam por
aquele lugar. Saí sozinho, fui até o estacionamento, entrei no meu carro e ouvi
o som de uma notificação de mensagem no meu celular. Era a Jaque, a anfitriã. Pedia carona para uma amiga, que estava na festa e morava num condomínio
que ficava no caminho, que eu provavelmente faria até minha casa.
Saí do carro, voltei até a entrada e lá estavam as duas à
minha espera.
Engraçado, entre tantas pessoas naquele lugar, foi difícil
acreditar que eu não tinha notado a presença daquela mulher tão linda. Jaque,
sorridente, agradeceu pela amiga e aproveitou para me apresentar. Aquela troca
de olhares me fuzilou, mas me mantive firme. Cordial, cumprimentei-a com um
beijo no rosto, daqueles bem informais. Ela foi mais ousada. Também me deu um
beijo no rosto, mas usou bem o limite e chegou ao canto do meu lábio. Naquele
instante pude perceber, mesmo que de um jeito fugaz, o perfume, a maciez daquele
lábio e a intensidade daquele momento. Jaque notou que houve algo diferente naquele
instante e tratou de sair rapidamente.
Acompanhei Ela até o estacionamento, abri a porta do carro e
deixei que ficasse confortável. Saímos na direção certa, porém decidimos pegar
alguns atalhos. Desses que a vida apresenta e você precisa decidir se vai e
arrisca ou faz o caminho convencional, mais longo e com destino certo.
No caminho, ousamos sentir a textura da pele um do outro, o aroma, o sabor. Resolvemos desvendar curvas ainda desconhecidas e acelerar para parar o
tempo, num paradoxo improvável.
Aquele trajeto, que poderia ser feito em, no
máximo, 15 minutos, foi feito em não menos que 4 horas.
Atalhos normalmente
encurtam distâncias e tempos. Aquele, alongou a vida.
Ela tecia poesia em forma de movimento. O efêmero se fez
eterno. Pelo menos naquele instante, não havia nada mais além de duas almas que
se entregavam ao prazer da vida.
Intensidade resumiu tudo o que aconteceu no trajeto,
interrompido uma única vez.
Somos instantes. E a soma deles, chamamos vida. Se a vida é
breve, poderia dizer que encontrei felicidade naquele breve momento.
Ao chegar em frente a sua casa, ouvi um “amei” saindo
daqueles lábios recém descobertos.
Inebriado pelo calor do momento, ainda pude
ouvir aquela voz suave me dizendo com tons de continuidade: “a gente se esbarra
por aí”, enquanto sua silhueta, aos poucos, se desfazia, misturando-se a escuridão da noite.
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