quinta-feira, 18 de junho de 2020

ENTÃO, FAÇAMOS VALER A PENA




Ainda sou capaz de ouvir o som das ondas do mar daquela tarde ensolarada de sábado.

Eu vivia um momento muito particular e o que mais procurava era um pouco de silêncio e tranquilidade. Em geral o contato com a areia, com o vento do litoral e com a água do mar me faz reconectar. É como viver na prática essas frases prontas que encontramos na internet, tipo “não é água com açúcar que acalma, é água com sal”. Pra mim, uma espécie de mantra que resolve.

No celular, várias chamadas perdidas e mensagens enviadas dos amigos. Eles sabiam exatamente como eu me sentia e faziam de tudo para me dar um novo ânimo. “Cara, hoje é o aniversário da Yasmim. Ela convidou a galera toda. Vamos?”, “Te anima, toma um banho, te veste e vamos no aniversário da Yasmim”, “Partiu aniversário da Yasmim. Tua chance de renascer, meu irmão”, eram algumas das mensagens que eu havia recebido.

Eu procurava silêncio, meus amigos queriam me levar para o sentido contrário. Em tese, reencontrar os amigos, celebrar, dar boas risadas e jogar conversa fora era uma boa opção. A oportunidade de sair da minha apatia. As oportunidades surgem exclusivas. Podem até surgirem novas, mas nunca serão as mesmas. Passam como o vento. Sopram e vão embora. Você pode aproveitar ou simplesmente se esconder.

Fiquei caminhando na praia naquele fim de tarde. Era um momento só meu. Fiquei na orla até o pôr-do-sol. Confesso que a insistência dos amigos me inclinava para sair com eles durante a noite. Yasmim era namorada de um dos meus amigos de faculdade. Aliás, aquela turma conseguiu a façanha de permanecer unida, mesmo depois de tantos anos após a formatura. Dali saíram alguns casamentos. Famílias foram se formando e nossos encontros foram ficando cada vez maiores. Aquela noite certamente encontraria boa parte daquela imensa turma.

Resolvi voltar para casa. Ainda não muito decidido, caminhei a passos lentos. Procurei notar os detalhes de cada coisa. Desde o vento que já diminuíra, as pessoas caminhando, o cachorro que corria pela areia, os idosos sentados nos bancos do calçadão enquanto conversavam, a lua que já aparecia tímida, mas sorridente, o som das ondas, até mesmo o som dos meus passos na areia. Eu queria absorver o máximo de experiências daquele momento. Afinal, somos instantes. Então, façamos valer a pena.

Cheguei em casa, liguei uma música e fui tomar um banho. Daqueles que a água quente abraça o corpo num ritual mágico de ousadia, leveza e relaxamento. As mensagens dos amigos fizeram meus pensamentos revisitarem os tempos de faculdade. Lembrei das festas e viagens que fizemos, além dos acampamentos que organizamos. Era um saudosismo que insistia ficar. A impressão era que a isca havia sido jogada e o peixe aqui estava quase sendo fisgado. Saí do banho e sem dar muita chance a inércia, fui procurar uma roupa. Me decidi: iria rever a turma.

Passei mensagem no grupo, dizendo que os encontraria na casa da Yasmim. A reação foi imediata. Corri até o shopping, comprei um presente e fui pra festa. Yasmim morava em um casarão. Aos fundos, um imenso jardim, uma piscina e a área onde estava acontecendo a festa. Música boa, gente rindo e conversando. Fui chegando aos poucos, quando senti uma mão em meus ombros. Yasmim chegou por trás de mim. Me viu chegar e foi me encontrar. Junto dela estava o Ricardo, meu colega de turma, que chegou me abraçando e oferecendo uma bebida. Abracei Yasmim e entreguei-lhe o presente. Yasmim falou bem perto do meu ouvido que precisava me mostrar uma coisa. Olhei com ar de estranheza. Com tanta gente pra atender, ela ainda queria me mostrar algo? Na verdade, não era algo, mas alguém. Yasmim segurou minha mão e me levou até um grupo de pessoas que estava próximo a piscina. No curto percurso, percebi alguém que se destacava. Ela estava lá, com seus sapatos de salto alto, pernas estonteantemente esculpidas, vestido preto que combinava com sua linda cor de pele. Curvas que se desenhavam desde o início do calcanhar, passavam pela cintura, seios, ombros, pescoço, até chegar a cabeça. Um sorriso que tinha brilho próprio e o olhar que transpassava qualquer tentativa de lucidez. Seus cabelos leves e soltos, caiam pelos ombros.

Tentei entrar na conversa, mas meus olhos insistiam encontrar Ela. Não era difícil perder a concentração. Como se fosse combinado, aos poucos o grupo foi se dispersando, as conversas iam ficando mais rasas, até que eu e Ela ficássemos a sós, ainda próximos a piscina.

Fiquei extasiado, mas procurei me manter centrado. Conversamos demoradamente. Ficamos juntos durante a festa. Caminhamos pelo jardim e tive a oportunidade de reencontrar os amigos. Encontramos uma mesa de bistrô onde pudemos permanecer juntos e conversando. Num momento de distração, nossas mãos se encontraram sobre a mesa. Quase de imediato voltamos nossos olhares um ao outro, até que ouvi um “posso?” saindo daqueles lábios, me pedindo pra segurar pela mão. Retribuí o sorriso e acenei em sinal de positivo. Não há como esquecer aquele toque. Suas mãos eram macias e seus dedos buscaram entrelaçar entre os meus. As horas passaram como o vento. Encontramos alguns pontos em comum na conversa que fluiu leve. Aos poucos os convidados se despediam. O lugar foi ficando cada vez mais vazio. Yasmim foi ao nosso encontro e perguntou se Ela tinha como voltar. “Não, estou sem carro”, disse. Eu me ofereci para dar uma carona, mesmo sem saber o quão longe seria o destino. Ela deu um sorriso discreto e nem precisou falar para mostrar que havia aceitado.

As oportunidades surgem exclusivas. Podem até surgirem novas, mas nunca serão as mesmas. Passam como o vento...

Nos despedimos de Yasmim, Ricardo e dos demais amigos que ainda estavam por ali. Entramos no carro, nos olhamos e nos beijamos. Indescritível aqueles lábios. Tentando manter a serenidade perguntei: “pra onde?”. “Pra onde você quiser, desde que seja com você”, recebi como resposta. Rodei pelas ruas de forma aleatória. Ela apoiou sua mão sobre minha perna, enquanto eu dirigia. Queria sentir sua presença o maior tempo possível. Chegamos a um ponto da orla onde não havia calçadão, mas uma grande faixa de areia interrompida por dunas. Não havia movimento, nem a presença de outros carros. Parei, desliguei o motor e os faróis. Agora éramos nós e a noite. A mão, antes apoiada sobre minha perna, agora apertava minha coxa. A outra mão buscou meu rosto, puxando para perto de si e me beijar. Começou leve e foi ficando cada vez mais intenso. Sua boca buscava descobrir cada traço do meu rosto até encontrar espaço no pescoço. Os beijos foram ficando lascivos e intensos. Eu retribuí na mesma moeda, afinal intensidade com intensidade se paga. Ela, vagarosamente abriu minha camisa e a tirou. Passou suas mãos macias sobre meu peitoral até a altura da cintura. Como um ritual, repetiu o mesmo gesto com as demais peças da minha roupa. Com atitude dominadora, não deixou que eu fizesse o mesmo com as roupas dela. Entrei no jogo. Vamos brincar. Com toques macios, queria conhecer cada espaço do meu corpo. A cada lugar visitado, um beijo. A cada carinho, uma verdadeira viagem. Foi assim até se sentir quase satisfeita. Quando achei que Ela iria desistir, despiu-se completamente. Não, eu não poderia tocá-la. No máximo, beijos em lugares que Ela escolheria. O jogo continuava. Ela veio sobre mim e, sem poder tocá-la, mostrou-me a regência da orquestra que aquele corpo havia se tornado. Movimentos leves que se alternavam com intensidade e força. Nosso suor se misturava naquele pouco espaço do carro. As horas, que haviam passado rápido na festa, eu queria que fossem generosas, passando bem devagar. Queria aproveitar cada detalhe de cada segundo. Aquele momento corroborou com a fluência da nossa conversa durante a noite.

Eu queria absorver o máximo de experiências daquele momento. Afinal, somos instantes. Então, façamos valer a pena.

Era quase dia. A lua, sorridente, já se despedia para dar lugar ao astro-rei. Levei Ela para casa. Trocamos contatos e marcamos novo encontro. Afinal, intensidade com intensidade se paga.


João Borges

sábado, 13 de junho de 2020

RECONECTAR




Finalmente havia chegado o feriado. Seriam quatro dias para aproveitar fazendo caminhadas por trilhas em meio a mata fechada. Era um daqueles programas que recarregam as energias, que demandam cuidados e algum planejamento.

Passei um bom tempo pesquisando as melhores trilhas para caminhada nas regiões mais próximas. A maioria delas eu já havia passado pelo menos uma vez. Uma delas eu ainda não conhecia. Alguns trilheiros contam que no caminho é possível encontrar lagos e quedas d’água. Era o cenário perfeito para a minha próxima caminhada.

Fui de carro até o ponto máximo permitido. Era um camping, bem estruturado e movimentado. Estacionei o carro, retirei minha mochila, troquei meu calçado e me preparei para a caminhada. Seriam 14km percorridos até o final da trilha escolhida.

O cenário era perfeito. A temperatura amena, dia ensolarado, pessoas indo e voltando. No início a trilha era larga e plana. Adentrando a mata, ficava mais estreita e com obstáculos. O terreno já não era tão plano e o sol cada vez menos presente. Alguns poucos raios de luz solar se deitavam sobre a trilha, apenas. O som das folhas ao vento e dos pássaros era sinfonia. Tudo aquilo me envolvia de tal forma que o stress já nem mesmo era lembrado. Como é bom ouvir o som do silêncio e deixar que a alma dance naqueles acordes.

Pouco mais de uma hora de caminhada e aos poucos outros sons começavam a aparecer. Parecia o som de um riacho. Caminhei em direção ao som, como se fosse um mosquito atraído pela luz de uma lâmpada. Desci um barranco, tropecei em raízes de árvores quase enterradas que invadiam a trilha, rolei pelo chão, arranhei meus braços, mas consegui chegar. Era um rio. Nele havia pedras de todos os tamanhos. O nível do rio estava baixo e a água totalmente limpa corria suave em torno das pedras, como crianças no parque numa tarde de sábado. Aproveitei para sentir a temperatura da água, lavar as mãos e o braço que pouco sangrava pelos arranhões. Fiquei ali por alguns instantes, aproveitando aquele ponto de paraíso. Decidi subir o rio pela margem. Não havia trilha, o que atrasaria minha chegada ao final do percurso, mas parecia recompensador. No caminho tortuoso ia me reencontrando. Sentia reconectar a vida. Meu suor naquela mata era diferente daquele que tinha em dias quentes quando saia do escritório. Era um abraço da natureza em forma de gotículas que brotavam dos meus poros.

Duas horas de caminhada pela margem e o som das águas ficava mais robusto. Era claramente o som de uma queda d´água. Por ter saído da trilha e percorrido a margem do rio, não havia encontrado outras pessoas pelo caminho. Depois de uma curva no rio e de algumas árvores enormes para desviar, finalmente cheguei a um lago. Ao fundo, um paredão de pedra que era banhado por uma cascata. Era possível ver os degraus finais da cascata, mas não era possível ver onde começava. O lago era relativamente grande e não havia pessoas no final da trilha. Nesse ponto do caminho o sol ganhava um grande espaço para mostrar sua majestade. Sentei as margens do lago, querendo ouvir o som da queda d’água, que de tão alto sobrepunha o som das folhas. Estava cansado, mas feliz. Deitei-me ali mesmo para aproveitar aquele momento, que foi interrompido por som de passos. Ela apareceu da trilha. Estava com biquini e caminhava em direção ao lado para tomar um banho naquela água fria e límpida. Passou por mim, lançou um olhar, deu um sorriso e entrou na água. Não pude deixar de perceber a beleza daquele sorriso. O sol dava ainda mais brilho naquele corpo cuidadosamente esculpido e de pele morena. Seus olhos eram castanhos, cabelos pretos esvoaçantes e que iam até pouco abaixo do ombro. Seios médios e curvas sinuosas pelo corpo que me prendiam o olhar. O coração disparou vendo-a entrar na água. Fiquei ali, meio desconcertado, mas firme em aproveitar aquele instante. Depois de alguns minutos, Ela saiu da água e veio em minha direção. Estendeu a mão, me convidando para segui-la. Eu não estava disposto a entrar na água, mas chegar mais perto da margem era bem possível. Ela me levou até mais próximo da margem e com cuidado molhou os arranhões, limpando-os. “Eu vou cuidar disso aqui”, dizia com voz doce. A água que percorria meu braço parecia não estar fria. Ela se sentou ao meu lado e começamos a conversar. O papo fluiu natural e encantadoramente. “Seria Iara, a sereia dos rios brasileiros?”, pensei. Ela mostrava ser afetuosa. Por várias vezes procurava me tocar. Aos poucos chegava cada vez mais perto de mim. Por fim, se envolveu no meu braço e deitou sua cabeça em meu ombro. Seguíamos conversando quando Ela me interrompeu. Me convidou para tirar a roupa e entrar na água. Olhei em volta. Ninguém. Ela viu que fiquei um pouco intimidado pelo convite inusitado. Chegou perto de mim e me beijou. Tirou minha roupa vagarosamente. Fui recíproco. Entramos no lago. A água era fria, mas assustadoramente gostosa. Ela foi mais próxima da queda d´água, onde os pés já não alcançavam o fundo. Me chamou e eu fui. Me entreguei de vez ao inesperado. Com calma, nadou para perto de mim, envolveu seus braços em volta do meu pescoço e chegou seu corpo junto ao meu. Suas pernas envolveram minha cintura. A respiração de ambos aos poucos ficava mais intensa. Os olhos se cruzavam e o calor dos corpos aumentava. Longos beijos eram trocados. Não foi difícil esconder minha excitação, da mesma forma que ela também estava. A pele arrepiada, a intensidade dos toques e os gemidos que se confundiam com os sons da natureza, completavam o cenário do nosso primeiro contato. Ficamos ali por longos minutos, que mais pareciam segundos.

Saímos do lago abraçados. Fomos para um lugar com sombra, nos vestimos e ficamos conversando. Tantos assuntos apareceram, mas não sabia de onde Ela era. Perguntei e ela respondeu: “Longe de tudo, mas perto de você”. Uma resposta vaga que foi precedida de um beijo. Ela botou a mão em meu peito e me fez deitar na grama. Me beijou novamente e de um jeito que jamais vou esquecer. De repente se levantou e caminhou em direção a mata. Sobre minha mochila um bilhete. “Me liga. Quero teus beijos pra mim”. Olhei em volta e não a encontrei mais.

Eu precisava me reconectar, mas aquele feriado me mostrou que a natureza reserva boas surpresas que levam a graus elevados de conexão pura.

PERDI A CONTA

  Eu já perdi a conta das vezes que tentei te descrever. Faltou vocabulário. Faltaram adjetivos. Sobraram qualidades em meio aos defeitos...