sexta-feira, 13 de agosto de 2021

FREQUÊNCIA

 


Eu tinha acabado de sair de uma reunião quando o celular vibrou no meu bolso. Era uma notificação de mensagem. Enquanto alcançava o celular, minha mente pedia que fosse alguma coisa dela. No lábio, meu sorriso discreto denunciava o quão satisfeito eu ficava toda vez que ela fazia qualquer tipo de contato. Não deu outra. “Antes de vir pra casa passei na Adega e comprei um vinho. Acho que você vai gostar”. Não era aniversário ou qualquer outra data comemorativa. Tínhamos o hábito de celebrar qualquer coisa, por mais simples que fosse. E nem sempre precisava de uma bebida especial. Bastava que estivéssemos juntos.

Lembro de uma vez em que eu quebrei o braço. Era uma noite chuvosa e estávamos voltando do hospital. No caminho, o pneu do carro furou e não havia ninguém na rua que pudesse nos ajudar. Ela, em toda sua vida, nunca havia trocado um pneu furado e aconteceu naquele momento, o mais inapropriado possível. Fomos à luta. Com um braço engessado e ainda sentindo um pouco de dor, virei ajudante. Não conseguiria fazer muito. Com esforço e alguma orientação, ela conseguiu fazer a troca. O resultado foi dois corpos completamente molhados e sujos, um gesso estragado e um pneu trocado. Sucesso total! Não havia vinho, mas havia uma garrafinha de água mineral, ainda na sacola de supermercado, no banco de trás do carro. Com a satisfação do dever cumprido, brindamos com meio litro de água,  antes, claro, de voltar ao hospital para trocar o gesso. Isso ilustra como qualquer coisa era motivo pra comemorar. O motivo era estarmos juntos em tudo.

Tão bom quando encontramos a pessoa em que “o santo bate”. Sentimos a mesma frequência desde o primeiro dia. Nos encontramos num momento da vida em que ambos tinham passado por um reencontro em si mesmos. Antes disso, cada qual viveu seus perrengues pessoais. Sofreram por quem não merecia tanto. Derramaram lágrimas e depois se arrependeram. Enfim, aqueles momentos que fazemos o possível para tirar da memória, mas que foram importantes para chegar ao que somos. Depois dos tropeços, enxergaram que quem merecia atenção e carinho eram eles mesmos, cada um em si. E quando encontramos esse ponto de equilíbrio fundamental, aprendemos que outra pessoa na mesma vibe virá naturalmente.

O sorriso no canto da minha boca ainda estava lá. Não via a hora de chegar em casa. Restava saber qual o motivo da nossa comemoração, além de estar novamente juntos.

 

JOTA B


segunda-feira, 9 de agosto de 2021

POR TRÁS DO ESPELHO

 


Quando eu a conheci, ela tinha saído de um relacionamento de vários anos. Carregava marcas evidentes de uma relação não saudável. Não era difícil notar que ela estranhava a atenção que eu dava. Gestos de carinho eram confundidos com “golpe”. Apesar da nitidez do envolvimento, a sensação de medo a rondava e, de certa forma, causava aquela confusão de não saber como pensar ou agir. A consequência era algum distanciamento. Pessoas assim ficam tão “cascudas”, que resistem em receber gestos genuínos de carinho. Infelizmente ela não havia sido acostumada com a generosidade.

Apesar disso, havia sorriso nela. Os lábios expressavam fagulhas momentâneas de uma sede imensa de felicidade. As vezes algumas frases soltas do tipo “você me faz bem” mostravam que ela estava dedicada a tentar mudar uma história de algumas escolhas infelizes. Como era bom ouvir ela dizer “Eu estava aqui pensando...”. Era a certeza de que ela queria minha companhia. E era muito bom quando isso era possível. Qualquer programa, por mais simples que fosse, me fazia sentir realizado. No fundo... bem no fundo, talvez o meu jeito de ser tenha se aproximado de um ideal que ela esperava em alguém. Não que eu fosse o cara perfeito, mas somando minhas imperfeições e colocando-as na balança, minhas qualidades poderiam ter um peso maior e que chamaram a atenção, de alguma forma.

Tudo isso me faz pensar a respeito das intenções dentro de um relacionamento. Como alguém ainda é capaz se supor uma relação baseada na dependência, seja ela qual tipo for? Como ainda existem pessoas que entendem a submissão, as vezes análoga a uma hierarquização quase militar, como uma forma de construir um “casamento”?

Relação boa é troca saudável. Respeito é indispensável e não se negocia. Reciprocidade não é toma lá, dá cá, mas uma gratuidade natural dada sem muito esforço. Leveza é uma busca que não pode ser deixada de lado. Carinho é um presente que precisa ser genuíno, verdadeiro. Enquanto existirem pessoas que não acreditam nessa pequena via e que preferem o caminho dos abusos velados, teremos filas nas portas dos consultórios de psicologia e infelizmente não será por terapia preventiva.

Ame e respeite a pessoa que está ao seu lado. Ali tem uma história de vida que ainda acredita. Não seja a pessoa que vai ajudar na construção de uma sociedade de pessoas transtornadas com relacionamentos de mentira ou que sobrevive apenas de aparências.

 

JOTA B


PERDI A CONTA

  Eu já perdi a conta das vezes que tentei te descrever. Faltou vocabulário. Faltaram adjetivos. Sobraram qualidades em meio aos defeitos...