Eu, andarilho de sonhos que
sou, caminhava por uma estrada de chão batido.
Nas mãos, uma mala quase vazia
de poucas roupas e muitas histórias.
Algo me conectava àquele
lugar. Não sabia exatamente o quê.
Caminhando, tropecei. Era uma
pequena caixa, semiafundada na terra seca.
Tirei do chão e limpei-a com
cuidado. Era uma caixinha de lembrança.
Dois palmos adiante, outra
caixa. Essa um pouco menor. Quem sabe cabe dentro da caixa da lembrança. Era a
saudade.
Resolvi guardá-las na mala.
Caminhando mais um pouco vi
uma casinha. Era muito simples, de madeira. Na porta lateral uma senhorinha me
acenava, sorrindo. Lembrei da minha avó. Lembrando dela, pude sentir o aroma do
café com leite e do bolo de fubá, recém saído do forno. Ah, que lembrança boa.
Deu saudade.
Distraído com a lembrança,
tropecei de novo. Era outra caixa.
Tirei do chão e limpei com
cuidado. Era outra lembrança.
Dois palmos adiante, outra.
Essa um pouco maior. Quem sabe essa nova lembrança cabe dentro da nova caixa.
Era a tristeza.
Resolvi guardá-las na mala.
Caminhando mais um pouco ouvi
o som do trote de um cavalo. Chegou rápido. Na montaria, o senhor com chapéu de
palha me cumprimenta:
- Taaarde
Eu retribuí, meio sem jeito.
- A dona da casa ali adiante
te reconheceu. Ela quer que vá lá conversar.
Olhei meio desconfiado e
relutante, mas aceitei.
Com pressa, o cavaleiro movimentou
o corpo de modo que o cavalo pudesse entender que era hora de ir. E foram.
De repente a mala ficou mais
pesada. Seria possível que a culpa daquele peso todo era das caixas?
Cheguei na casa e a dona veio
logo me convidando a entrar. Disse que tinha me reconhecido, mas eu não a
reconhecia.
Sobre a mesa estava o café e o
bolo de fubá, recém saído do forno. Também havia uma fotografia. Uma imagem antiga de um punhado de gente se espremendo procurando entrar no enquadramento.
Era a minha família. Muitos deles, hoje, nem contam mais histórias. Ah, que
lembrança estranha. Era uma mistura de saudade e tristeza.
Da dona da casa ouvi histórias
de um tempo que nem me recordava. O tempo passou rápido. Afinal, quem era a
minha estranha conhecida?
Ela sabia bastante sobre
mim. Eu, porém, mesmo com muito esforço, não percebi que havia passado um
fragmento do meu dia diante do amor. Quanta cegueira. Terei oportunidade de retornar
para visita-la?
De volta ao caminho, senti a
mala ainda mais pesada. Parei, abri a mala e vi que as caixas haviam se
multiplicado. Eram muitas. Era uma mistura de lembranças boas, lembranças
ruins, saudades e alguma tristeza. Ali parado, resolvi separá-las. As
lembranças ruins eram as mais pesadas. Tirei-as da mala, abri um buraco o mais fundo
possível e as enterrei. Ninguém merece encontrá-las no caminho e guardá-las
como se fossem suas. Encontrei dois gravetos, montei um formato de cruz e
finquei no chão, bem na cabeceira da cova improvisada. Ali fiz uma oração de
despedida para que as lembranças ruins descansassem em paz.
Voltei para a estrada com a
mala mais vazia e o coração mais leve. Distraído e pensando no ocorrido, novo
tropeço. Desse não eu escapei. Fui com o rosto direto ao chão. Bati com força.
Levei as mãos ao rosto e...
Eu, andarilho dos sonhos que
sou, despertei. Não sentia dor alguma. Estava deitado numa cama boa. Ao meu
lado, uma mala quase vazia de poucas roupas, muitas histórias e algumas
caixinhas...
JOTA B
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