terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

O SOM DA SAUDADE

 



Caminhando pela calçada, numa tarde quente de verão, ouvi um sussurro. Era a doce voz do vento anunciando que não demoraria para a chuva chegar. O esgotamento do dia fez eu me permitir ao luxo da espera.

Sentei-me num banco de praça qualquer. Meu corpo suado era a própria tradução do castigo que a temperatura trouxe naquele dia. No céu, as nuvens negras e carregadas das mais puras e pesadas lágrimas, se reuniam. Pessoas iam e vinham freneticamente. A luta contra o tempo era latente. Alguns fugiam da possibilidade de se molhar com a chuva que, aos poucos, chegava. Outros fugiam de si mesmos, das frustrações e dos próprios pesadelos. Outros ainda, buscavam respostas onde as perguntas não existiam. Enfim, cada pessoa exibia, quase velada, sua correria.

Eu ali, naquele banco de praça apenas me permiti esperar. Em mim havia uma lacuna. Será que a chuva poderia ajudar a transbordar aquele espaço vazio?

Meus pensamentos viajavam pelos arredores, mas meu corpo era estático. Eu apenas me permiti esperar.

Aquele sussurro inicial foi ficando mais forte. Já não era um sussurro, mas uma voz que gritava baixo comparado ao som melancólico da cidade que fugia. Eu ali, apenas me permiti esperar.

De repente, vi uma lágrima caída no chão aquecido pelo sol. Sem demora, outra lágrima. E outra, e outra... Em segundos o chão foi ficando coberto delas. Também caiam sobre mim. Deixei que elas se misturassem livremente ao meu suor.

Ao redor as pessoas corriam ainda mais. Eu ali, apenas me permiti envolver.

Deixei que cada gota escorresse pelo corpo. Precisava que as lágrimas do céu ajudassem a lavar a alma. Precisava que se juntassem às lágrimas dos meus olhos. Elas tinham algo a conversar. Eu ali, parado, apenas me permiti sentir.

Senti que minha lacuna ainda estava ali, intocada. Foi quando percebi que meus versos escondidos que fiz enquanto aguardava, me envolvia e sentia não poderiam ser preenchidos por lágrimas.  

O tempo passava. A chuva não. Era insistentemente deliciosa. Trovões faziam o barulho da cidade sucumbir ao silêncio. O sussurro inicial, que se transformara em grito baixo, agora era um brado inaudível aos que não prestavam atenção. Era o som da saudade. Aquela saudade que aperta o peito e grita na quietude. Seu som não vai aos ouvidos, mas chega fácil ao coração. Minha lacuna era apenas saudade. Tão forte e tão frágil. Forte ao ponto de doer na ausência. Frágil ao ponto de morrer no reencontro.

A chuva foi embora, as lágrimas do meu rosto também. Meu corpo não sabia mais o que era suor ou lágrimas do céu. Era uma mistura perfeita de alívio e satisfação.

Eu ali, apenas me permiti. E agora me permito esperar até que, novamente, a saudade possa morrer ao te reencontrar.


JOTA B


4 comentários:

PERDI A CONTA

  Eu já perdi a conta das vezes que tentei te descrever. Faltou vocabulário. Faltaram adjetivos. Sobraram qualidades em meio aos defeitos...